No próximo dia 01 de abril o Brasil comemora (comemora?) 50 anos do golpe de 1964, um conjunto de ações orquestradas pelo empresariado nacional com participação da classe média, dos políticos comprados pelo mega mensalão da ditadura e com execução efusiva dos militares e apoio dos Estados Unidos e sua quarta frota na realização que levou o país a uma ditadura violenta durante 21 anos. O fato de comemorar significa dizer, de modo proposital, que é preciso lembrar do passado e o que ele representou para a memória coletiva. Isso significa dizer que esse dia cruel inaugurou um ciclo de perseguições e amordaçamento de direitos políticos dos cidadãos, fundando instituições assassinas, como o DOPS/DOI-CODI, em nome desse regime de exceção para prender, torturar e matar os opositores. Foi o que aconteceu depois do AI-5, precisamente, formalizando o período mais cruel por qual passou este país enquanto república.
Porém, o ato de comemorar nos remete à ideia de que o regime foi bom para o país. Em tempo de completar 50 anos de seu golpe precursor, a ditadura militar brasileira ainda não foi esclarecida e nem repudiada pelas autoridades a ponto de reparar essa história. O ato de comemorar nos remete à ideia de um passado que ainda não foi desenterrado. Em tempo de completar 50 anos, as Forças Armadas, executoras e mantenedoras da ditadura, nunca pediram desculpas à sociedade por instaurar no país um regime ilegítimo, para não dizer ilegal. Militares que prenderam, torturaram e assassinaram militantes de todos os setores ainda estão por aí gozando de suas patentes, atuando nos mais diversos setores ou aposentados em suas mansões na Asa Norte de Brasília. E, pior: existe um silenciamento por parte de todos, desde a esquerda amedrontada que conseguiu chegar a um governo civil popular, com um ex-metalúrgico e a primeira mulher presidenta, ambos perseguidos pelo regime, até a direita fascista que apoiou o regime e hoje se diz defensora árdua da democracia.
Há um silêncio sem precedentes da imprensa, que continua em silencio desde o dia que chamou esse regime de “revolução” e emprestou carros para os torturadores, como é o caso da Globo, Folha e Estadão. Há muito que explicar sobre os atores do golpe. Roberto Carlos, Pelé e Xuxa não são “reis” à toa. A Globo não é dona de um verdadeiro reinado à toa. Quem se calou e abanou o rabo, ou mesmo ajudou o regime, foi premiado pelos militares assassinos e continua com as mesmas garantias de seus privilégios, se dizendo hoje defensores da democracia. É o caso da mídia fascista e dos civis que, hoje políticos da direita, fazem discursos bonitinhos de apoio a governos civis, candidatam-se a governos civis, mas não passam de filhotes da ditadura. Partidos como PP, PMDB, PSDB e DEM estão cheios dessas raposas.
O que parece ao leitor desatento desse processo é que esses setores de direita, bonzinhos, nada têm a ver com um regime sanguinário implantado ilegitimamente no país há 50 anos. Enquanto a esquerda não trabalhar para esclarecer esse processo, com instrumentos mais rígidos do que a Comissão Nacional da Verdade (o que pode servir como um belíssimo começo de esclarecimento), a Globo passará a ideia de uma esquerda golpista, quando na realidade é a direita que tem participação efetiva em todos os processos autoritários e golpistas que remontam a história do Brasil.
1964 faz aniversário porque ainda não se foi: está no fascismo antiparditário dos Black Blocs, no discurso atrasado habitual da classe média, nos grupos universitários autodeclarados de direita que começam a crescer e no colarinho incolor-fisiológico do PMDB. Essa cena preocupante poderia ter sido evitada de diversas formas, e a primeira delas, através do STF, foi a que mais decepcionou a todos. Em 2010, o Supremo Tribunal Federal negou recurso interposto por torturados que pediram para que fosse revista a lei de Anistia (a lei pela qual os militares se autoanistiaram e conseguiram se manter livre do princípio das condenações por causa do regime). É preciso lembrar que esse mesmo STF abanou o rabo para os militares e se calaram diante do golpe.
Esses são sinais inequívocos de que nossa democracia caminha mal e precisa ser fortalecida. Não podemos aceitar que a ampla população brasileira mais pobre não tenha sido até hoje esclarecida sobre o que esse período de exceção representou para as pessoas mais carentes: milhões de mortos de fome durante os 21 anos de regime. Os governos civis têm aparelhos de comunicação dos mais diversos e, já que perderam no judiciário filhote da ditadura, é preciso fazer com que a população compreenda o atraso que esses 21 anos causaram ao Brasil, como o assassinato da educação nacional, o autoritarismo etc. A Comissão Nacional da Verdade é um excelente instrumento, embora saibamos que não tem valor judicial e nem apoio do judiciário filhote da ditadura, mas precisa ser aprimorada com reforço do legislativo.
O passado cruel da ditadura não pode ser esquecido, como se esse fosse o acordo de vergonha a ser cumprido perante os militares, como se a democracia brasileira fosse ela própria anistiada pelos militares assassinos, estupradores de mulheres, torturadores de crianças. Nesse sentido, cabe lembrar o passado cruel a cada minuto e exigir de nossas autoridades legislativas a revogação da Lei de Anistia, para que os militares assassinos, ainda vivos e gozando de suas patentes e colocações, sejam presos e condenados. Com uma Marcha pela Família com Deus pela Tradição e Propriedade marcada para o dia 22 de março, grupos conservadores se multiplicando e um passado não explicado, pelo visto só os militares assassinos terão muito o que comemorar no dia 01 de abril, pois continuam vitoriosos, sem qualquer punição.