Uma postagem nas redes sociais desmerecendo os povos indígenas, algo já lastimável para qualquer pessoa em sã consciência, ganhou ares de absurdo ao vir de uma pessoa paga com dinheiro público justamente para fomentar a Cultura. Essa situação grotesca envolveu o secretário municipal de Cultura de Canavieiras, José Amorim Cruz, causando revolta nas redes sociais e na cidade.
Em sua página no Facebook, em uma postagem da última quarta-feira (15), o secretário, em tom de deboche, compartilhou uma imagem com uma mulher indígena segurando um Iphone, com a seguinte legenda: “Estes são os ‘índios’ acampados em Brasília querendo mais terra. Queria eu ter um Iphone desses”.
Envolto em uma gestão praticamente pífia, no que diz respeito à aplicação de políticas públicas voltadas para a Cultura no município, e alvo de vários questionamentos ante a obscura distribuição dos recursos da Lei Aldir Blanc, o secretário José Amorim demonstrou em sua fala, total desconhecimento da realidade dos povos indígenas. Algo completamente destoante para um secretário de Cultura.
FUNCEB, SECULT e TPI – Segundo Romualdo Lisboa, ex-diretor de espaços culturais da Secretaria de Cultura do Estado (Secult), ex-chefe de gabinete da Fundação Cultural do Estado (Funceb), e diretor artístico do Teatro Popular de Ilhéus (TPI), logo de início o secretário Amorim cometeu discurso de ódio, e deve responder por isso. Pois ele – ressalta – fustiga a ira de quem lê a postagem, contra algum indígena que a pessoa encontrar, e por ventura estiver com um aparelho celular em mãos.
Romualdo afirma que o secretário Amorim não entende que a humanidade avança, e a História anda sempre para o futuro, e que é muita ignorância imaginar que em pleno século 21, os povos indígenas devam se portar como na época em que os portugueses chegaram ao Brasil.
“Ter um Iphone, o que para o secretário parece ser um demérito, na verdade é um mérito. Os nossos povos originários, são formados por pessoas que hoje em dia ocupam cadeiras nas universidades, que são professores, doutores. São pessoas que ocupam espaço na sociedade como qualquer outra”, destaca.
O diretor do Teatro Popular de Ilhéus finaliza afirmando em tons de ironia, que o secretário precisa exigir um salário melhor, para poder comprar o Iphone dele, já que parece tratar-se de um fetiche.
CLÁUDIO MAGALHÃES – Para o vereador de Ilhéus Cláudio Magalhães (PCdoB), primeiro representante do povo Tupinambá de Olivença na Câmara Municipal, a visão do secretário José Amorim, é completamente racista e preconceituosa, e só reflete o ranço desse momento político sombrio ao qual o país passa.
O edil contextualiza a imagem, alvo do escárnio do secretário Amorim – bolsonarista fervoroso – e explica que a foto provavelmente é da marcha das mulheres, que juntamente com milhares de representantes indígenas, estiveram acampados em Brasília, lutando contra o marco temporal, que, caso aprovado pelo STF, acarretará em inúmeros reveses para os povos nativos do Brasil.
“Essas duas jovens Pataxó, são possivelmente de Coroa Vermelha ou Porto Seguro, local por onde chegaram os invasores portugueses. E hoje elas são alvos de prováveis descendentes dos mesmos europeus, como esse secretário deve ser, e que seguem reproduzindo essa grande história mal contada, recheada de discriminação, a respeito dos povos nativos”, aponta Cláudio Magalhães.
O vereador relata que fica triste com esse tipo de posicionamento por parte de um ocupante de um cargo público. Segundo ele, trata-se de um grande desserviço à sociedade, justamente nesse momento de constantes ataques aos direitos constitucionais dos historicamente excluídos, a exemplo de quilombolas e indígenas.
A LEI – De acordo com a Lei nº 7.716/89, que ficou conhecida como Lei do Racismo, e que teve abrangência ampliada em 1997, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, podem ter penas de até 5 anos de reclusão, e variam de acordo com o tipo de conduta.
Segundo dados do Atlas da Violência, divulgados no último mês de agosto, mais de 2 mil indígenas foram assassinados entre 2009 e 2019 no Brasil. De acordo com o estudo, nessa década, a taxa de mortes violentas de indígenas aumentou 21,6%, saindo de 15 por 100 mil indígenas, em 2009, para 18,3, em 2019, movimento oposto ao que ocorreu com a taxa de assassinatos em geral no país, que foi de 27,2 para 21,7 por 100 mil habitantes.
O espaço está aberto para que o secretário José Amorim Cruz se manifeste.
Da Redação.