Com temperaturas que podem ultrapassar os 43ºC no interior de São Paulo, o Brasil deve ter o final de semana mais quente do ano na passagem entre o inverno e a primavera. Influência do El Niño, mas vislumbre do que deve ser o novo normal em breve com a mudança do clima.
Sim, ajustamos o airfryer do planeta para a temperatura “Tostar os Idiotas”. E, mesmo com os alertas, não há indícios que países, empresas e sociedade estejam se mobilizando para girar o botãozinho no sentido oposto.
A isso se somam ciclones, como os que mataram dezenas de pessoas no Rio Grande do Sul, que vão se tornar mais e mais frequentes. Para além de vidas, a economia vai para o beleléu, esturricada pelo sol ou apodrecida pela água.
Quando cientistas alertaram que a subida da temperatura média do planeta já estava levando ao aumento na frequência de eventos climáticos extremos, patetas negacionistas, orgulhosos de sua burrice, questionavam nas redes “este inverno fez mais frio, cadê o aquecimento”?
Nos últimos anos, brasileiros assistiram assustados a tempestades de areia engolirem cidades, como Campo Grande, a rajadas de ventos fortes causarem mortes (como as ocorridas em um naufrágio de um barco-hotel no rio Paraguai) e a água faltar na torneira das cidades, nas turbinas das hidrelétricas, na irrigação da lavoura, no calado das hidrovias. Bem-vindos ao inferno do real.
Como aqui já disse, qualquer alce que caiu em um buraco na Sibéria após o colapso do permafrost local ou qualquer urso polar deprimido por estar à deriva em uma placa de gelo que se soltou no Ártico ou ainda qualquer tamanduá-bandeira cercado pelas chamas de uma queimada descontrolada no Pantanal é capaz de dizer que, infelizmente, fizemos merda desde a revolução industrial. E continuamos fazendo mesmo com a água no pescoço.
As mudanças climáticas em andamento na Terra já são irreversíveis. Nas próximas décadas, teremos milhões de refugiados ambientais por conta da subida no nível dos oceanos e pelos eventos climáticos extremos; fome em grande escala devido à redução e desertificação de áreas de produção e à perda da capacidade pesqueira; aumento na quantidade de pessoas doentes e subnutridas, além de conflitos e guerras em busca de água e de terra para plantar. Muita gente vai morrer no Brasil e no mundo. E os sobreviventes terão que adaptar sua vida para conviver com um ambiente mais hostil.
Para quem tem filhos e netos, e se importa com eles, deve ser angustiante.
O que não significa que as mudanças climáticas não são mitigáveis, ou seja, que não podemos tentar reduzir seus danos.
O mundo tentava manter o aumento da temperatura global em 1,5 graus Celsius até 2100, o que deve ser praticamente impossível dada a nossa incompetência. Podemos chegar a 3, 4 ou 5 graus a mais.
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), com um limite de aumento de 2 graus Celsius na temperatura global, 37% da população global estará exposta a ondas de calor severas pelo menos uma vez a cada cinco anos; em um em cada dez anos, não haverá gelo no verão do Ártico; o nível do mar vai subir quase meio metro até 2100; a pesca reduzirá a produção em 3 milhões de toneladas e a agricultura produzirá 7% a menos de trigo nos trópicos.
Fazer com que pessoas acreditem que tudo está mudando sem que sintam isso na pele é difícil. Por isso, que esses terríveis eventos extremos no Brasil e no mundo têm a triste capacidade de mobilizar por mudanças.
Talvez o esperado investimento para a redução de emissões e a mudança no comportamento dos cidadãos, bem como o desenvolvimento de tecnologias mais baratas para sequestrar carbono da atmosfera, virão quando houver pânico diante dos tais eventos.
O mundo, ainda em choque com os horrores da Segunda Guerra Mundial, proclamou, três anos após o fim do conflito, a Declaração Universal dos Direitos Humanos – nosso documento mais importante. O Brasil, ainda olhando para as feridas de 21 anos de ditadura militar, promulgou, três anos depois, em 1988, uma Constituição Federal – que pode não ser perfeita, mas é a melhor garantia de direitos fundamentais que tivemos em toda nossa história.
Infelizmente, é depois de andar pelo vale da sombra que estamos mais abertos para olhar o futuro e desejar que o sofrimento igual nunca mais se repita. Infelizmente, porque há inocentes (desde os que são muito novos ou que nem nasceram até os que sempre estiveram alijados do consumo por serem pobres demais) que não são sócios da tragédia ambiental como a maioria de nós.
A questão não é mais “evitar” mudanças climáticas e sim “reduzir a tragédia que já começou”. O mundo precisa entender que já está no fundo poço. A questão é que, no fundo, há um alçapão.
Não acreditem em quem fala que estamos em contagem regressiva: já adentramos uma nova era de extinção em massa de uma série de espécies. Talvez menos a nossa. Pois, ao final, os ricos comprarão sua segurança e herdarão a Terra, desta vez mais árida e violenta. Ou migrarão para Marte, nos foguetes de bilionários.
O pouco tempo que temos é para que o mundo não se torne um plágio barato de Mad Max – no qual líderes políticos e econômicos egoístas se sentirão cada vez mais em casa.
Tic, tac. Tic, tac.
Artigo de Leonardo Sakamoto: É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em países como Timor Leste e Angola e violações aos direitos humanos em todos os estados brasileiros. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). Diretor da ONG Repórter Brasil, foi conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão (2014-2020) e comissário da Liechtenstein Initiative – Comissão Global do Setor Financeiro contra a Escravidão Moderna e o Tráfico de Seres Humanos (2018-2019). É autor de “Pequenos Contos Para Começar o Dia” (2012), “O que Aprendi Sendo Xingado na Internet” (2016), ?Escravidão Contemporânea? (2020), entre outros livros.