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RESPOSTA SOBRE UM SUPOSTO LÍDER DE MASSAS DA POLÍCIA MILITAR

Gabriel Nascimento é professor e mestrando em Linguística Aplicada pela UNB.
Gabriel Nascimento é professor e mestrando em Linguística Aplicada pela UNB.

Fui citado, ainda que não nominalmente, em um dos últimos artigos publicados neste portal de notícias. Na realidade, em um artigo que me respondia diretamente. O autor, um suposto representante de um movimento alternativo da polícia militar, que aprecio e respeito. Trata-se da ASPRA, a Associação de Praças da Polícia Militar, importante instrumento para combater as assimetrias que existem nessa instituição atrasada e conservadora.

No entanto, ao que parece, a ASPRA não está bem representada. Que seus líderes defendam candidaturas, isso é compreensível. O que não é compreensível é ter “paixões partidárias” ao se utilizar de um texto público para combater um outro, supostamente escrito com “paixões partidárias” (sic). É o que faz o tal coordenador, me acusando de odiar a polícia militar. E é verdade. Eu odeio a instituição polícia militar, mas não o trabalhador em segurança pública. Este, inclusive, deveria ter os mesmos direitos dos demais trabalhadores, mas sua condição militar estabelecida nos artigos 42, 142 e 144 da Constituição Federal de 1988 o impede e limita. É isso que o prezado autor do texto precisa entender: defendo veementemente a desmilitarização da polícia, como meio de dar aos trabalhadores em segurança pública garantias de organização, como criação de sindicatos e direito de greve. Aliás, essa é uma bandeira que poderia mais claramente ser defendida pela ASPRA. Defendo, mais especialmente, um novo modelo de segurança pública que se materializa na PEC 51/2013, que propõe desmilitarizar a polícia e dar direitos universais aos trabalhadores das polícias, mas que não foi criada por nenhum parlamentar do PSDB, PSB ou DEM, das bases de Marco Prisco e do autor do referido texto, mas por um senador do PT.

Entretanto, o autor do referido texto não quer discutir desmilitarização, mas defender seu candidato, a quem tive oportunidade de criticar abertamente em texto aqui publicado. Antes de comentar as críticas feitas a mim, esperava nível cognitivo comparadamente melhor do autor do texto. Diz ele: “de qualquer capital, falamos de bilhões desviados de cofres públicos para esse fim”. Peço honestamente ao autor que volte a estudar o conceito de capital, talvez para aprender que capital não é dinheiro, verba ou bens, mas a relação desses recursos com as pessoas. Por isso, capital não é desviado, porque não se desvia relações entre pessoas. Capital é alienado, manipulado, precarizado. Ao se apropriar de uma palavra como essa e se dizer de esquerda, espera-se um nível muito melhor de utilização de um verbete de significado caro para as pautas históricas da esquerda.

Continuando a série de distorções do discurso dele, o tal coordenador chama Marco Prisco de “o maior líder de massas em vida no estado da Bahia”. Mais uma vez, partindo da apropriação da palavra “massas” que ele usa, só posso supor que ele não sabe o que quer dizer “massas” ou, então, ele acha que um único setor do funcionalismo público estadual representa os mais diversos setores de trabalhadores organizados da Bahia. Daí o uso narcisista dos conceitos para representar os interesses do seu próprio mundinho político-ideológico. A seguir, o próprio autor do texto usa palavras como “práxis” e “monopólio do bem” em um mesmo parágrafo que revela que seu autor faz uso indeliberado de palavras das quais não conhece o significado. “Práxis” vem de Marx, é utilizada para aproximar a teoria da prática na luta revolucionária o que, como se percebe, não é o que acontece com Marco Prisco. Dizendo-se um “líder de massas”, ele está concorrendo à Assembleia Legislativa da Bahia por um partido que desempregou milhões, causou três crises econômicas, privatizou mais de 100 empresas públicas e culpou os trabalhadores por sua miséria. Ou o nosso jovem coordenador não sabe o que quer dizer práxis, ou usa porque acha bonito. “Monopólio do bem” é um desses outros usos aloprados pelos feitos por ele. Como se em política discutíssemos “bem” e “mal” (categorias metafísicas), ele coloca na mesa um item discursivo marxista e, logo em seguida, suas concepções cristãs e de “bem” e “mal”, confundindo alhos com bugalhos, sendo incapaz de rebater de modo menos ascético e moralista questões práticas da política nacional e estadual.

Depois, tentando defender o lugar de Prisco na esquerda (esse candidato filiado ao PSDB, filhote do PSOL, aquele partido que confunde liberdade e livre mercado), fala do início da militância dele junto ao PSOL, partindo que considera como a “verdadeira esquerda”. Mais uma vez um show de inocência, confundindo política e religião, levando para a vida pública a noção binária de “verdadeiro” e “errado”, provando que não passou do Iluminismo lockeano nas aulas de Ciências Sociais, se é que teve. Me acusa de ser lockeano, mas quem fala de “bem” e “mal”, “certo” e “errado” é ele, rotulando categorias, postulando conhecimentos universais, sem passar de um blá blá blá tautológico e esvaziado. Entretanto, num dado momento do texto, ele assume o verdadeiro lado de Prisco: “Foi com a verdadeira esquerda que ele aprendeu a fazer greve em defesa da ‘massa cheirosa’”.  Ele chama o PSOL, partido da greve pela greve, de verdadeira esquerda e Prisco de ter aprendido a fazer greve pela greve para eleger a “massa cheirosa”. Nesse caso, Paulo Souto é a “massa cheirosa” e, segundo as contradições no texto desse autor, a greve da PM não passou de greve pela greve. Não bastasse o texto mal escrito, com falta de vírgulas, pontuação mal colocada, ele volta a chamar Prisco no meio do texto de “cara do bem”, como se isso fosse uma identificação a priori significativa para a política nacional.

Quero concluir ensinando a esse senhor que, para as ciências da Linguagem, o texto se organiza em gêneros textuais. Um deles é o artigo científico, no qual se é necessário ser especialista para dissertar em uma determinada área. O outro deles é o artigo de opinião pessoal. Nesse gênero não se é obrigado ser especialista ou autoridade em assuntos para escrever sobre eles. Basta ser cidadão. São conceitos rudimentares ensinados na escola básica que, pelo visto, esse senhor não aprendeu. Isso porque me cobra autoridade para falar de desmilitarização, quando eu escrevi um artigo de opinião pessoal. Aliás, escrevi e escrevo sempre, como escrevo e publico textos científicos em minha área. Porém, não preciso ser especialista para falar de segurança pública em artigo de opinião pessoal, necessito ser cidadão. Parece que até essa identidade ele quer me tirar quando me cobra fazer o trabalho que ele, enquanto coordenador da ASPRA, anda fazendo mal: convencer a opinião pública.

Por último, ele criticou o uso da palavra “mercado negro”, considerando a palavra “negro” e sugeriu “assepsia lexical”. Nessa área posso falar melhor que ele cientificamente. Primeiro, não é uma questão lexical. Por isso, ele que não sabe do que está falando. É uma questão semântica e, talvez, seu argumento melhorasse sugerindo “assepsia discursiva”. Mesmo assim, o fato de eu falar mercado negro não pressupõe direcionamento ideológico, pois os sentidos não estão nas palavras, são sempre negociados e negociáveis e, no caso de “mercado negro”, eu esperava que, no contexto da sociedade brasileira, como um brasileiro adulto escolarizado, ele entendesse a definição. Mas, já que não entende, sugiro utilizar um dicionário de expressões desses vendidos nas livrarias e sebos. Mais ainda sobre o item, sugiro ler um trabalho científico meu publicado onde exponho com mais clareza o tema.

Depois de todas essas distorções de significado e apropriações incorretas se dizendo, inclusive, de esquerda, mas defendendo partidos que historicamente enxugaram programas sociais, defenderam o capital especulativo e desempregaram, esse senhor prova que o único incauto, indelicado e estúpido interlocutor é ele mesmo, confabulando um texto inteiro ao invés de discutir as propostas não setoriais do seu candidato a deputado estadual.

Link para trabalho científico publicado nos Anais do XIV CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA http://www.filologia.org.br/xiv_cnlf/tomo_3/completo_tomo_3.pdf, página 182.