Há algum tempo tento estabelecer as relações, sobretudo antagônicas, entre a ideologia e prática nazista; e os ensinamentos deixados por Jesus, consubstanciados na doutrina cristã. É o fruto desta reflexão que ofereço, agora, à apreciação pública.
O Nazismo, doutrina política vigente na Alemanha nas décadas de 1930 e 40 e que levou este país e o mundo à Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), é dotado de inegável conteúdo filosófico, que valorizava primordialmente aos fortes, aos poderosos, aos vencedores. Não havia lugar para deficientes físicos ou mentais, nem para homossexuais, nem para “raças inferiores”, nem para discordantes, tampouco para qualquer tipo de derrotado. Isso explica porque na Alemanha dos anos 30, ao tempo em que se exaltoutodo o tipo de atividade física – o que é positivo – paralelamente se escondeu, discriminou e retirou do convívio, de todas as formas possíveis, as pessoas consideradas fisicamente ou mentalmente não aptas – o que é péssimo.
Essa exclusão social do mais fraco, do necessitado, do diferente, do irmão mal sucedido é, em essência, a negação de qualquer resquício de amor ao próximo e, por conseguinte, da compaixão, da caridade e da solidariedade exemplificadas por Jesus.
Esta ação nazista de exclusão se expressou, na sua forma mais avançada, por meio do extermínio sistemático das minorias, dos opositores ao regime e, durante a Guerra, dos prisioneiros e de seis milhões de Judeus. E nada é mais anticristão do que este extermínio, a representar o ápice de ódio que se contrapõe a qualquer possibilidade de amor social ou humano.
Enquanto o racismo negava a determinados grupos étnicos o reconhecimento de sua condição humana e o direito à vida, a Guerra abria espaço a todo o tipo de vileza, brutalidade e assassínio.Até mesmo da mentalidade militarista, até então dotada de certo respeito ao combatente inimigo, foram extirpadas noçõescomo honra, preservação da vida dos prisioneiros, respeito aos vencidos e não violação de populações civis, substituídos que foram pelo conceito de guerra total, que justificaria as piores atrocidades cometidas pelos combatentes alemães, consubstanciadas no pensamento expresso por Hitler de que não se deveria ter “qualquer tipo de escrúpulos” na Frente Oriental, quando da invasão da União Soviética, que resultou no fuzilamento sumário de prisioneiros de guerra e no extermínio de populações civis.
Em toda a história da humanidade nada parece ter sido tão eficazmente anticristão quanto os preceitos nazistas. Amor ao próximo tornou-se fraqueza inaceitável. Compaixão passou a ser vista como frouxidão ou covardia. Solidariedade como conduta inadequada. Caridade como incentivo à perpetuação da fraqueza.
O papel social da mulher retrocedeu, reduzida que foi a pouco mais do que instrumento de procriação, para gerar novos soldados. E conduta ética ou moral que atrapalhasse a busca da vitória social e da grandeza econômica ou política tornou-se defeito insuportável, a merecer repressão estatal, confinamento em campos de concentração e morte.
O coroamento deste cultivo de ódio foi a Guerra e seu dilúvio de sangue, de mortes, de dores sem fim, de sofrimentos em escalas inimagináveis, sem precedentes. Primeiro sobre as infelizes vítimas da Alemanha. Depois, como colheita do terrível plantio, sobre os filhos e filhas da própria Alemanha, sobre seus militares e civis, homens e mulheres, idosos e crianças. A semeadura de ódio e morte foi tão eficaz que deu retorno fartíssimo, inclusive no solo alemão.
O nazismo – ideologicamente, nas entrelinhas; e na prática, explicitamente – negava o Cristo e sua mensagem. Colocava o Führer como líder absoluto e depositário de toda a esperança de felicidade e glória do povo alemão, tornando a ideologia nazista tão absoluta que esmagava até mesmo qualquer prática religiosa que ousasse ultrapassar a um mero ritual litúrgico vazio de significados, obstando-lhe maior alcance subjetivo ou social.
Hoje, 70 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o nazismo está sepultado, na lata do lixo da história. Porém seus valores, tais como a discriminação contra os mais fracos, a intolerância, o ódio, o racismo, o uso indiscriminado da violência e a negação da condição humana da mulher, ainda se encontram bem vivos entre nós, apenas variando de intensidade e forma com que se apresentam, de uma sociedade para outra.
Por isso, ainda hoje é mais do que oportuno vivenciarmos os valores e práticas que constituem as bases do cristianismo, a ser utilizados como antídoto contra aqueles valores que sustentaram a doutrina nazista e que, dissimulados ou explícitos, ainda permanecem entre nós.
Utilizemos, pois, o quanto possível, pessoal e socialmente, os valores exaltados por Jesus Cristo.
Que não seja, necessariamente, um cristianismo institucionalizado, expresso na formulação e dogmas católicos, protestantes, pentecostais, neopentecostais ou mesmo espíritas.
Que seja apenas o cristianismo, em sua desconcertante simplicidade de conceitos a nos dizer, desafiando-nos: Amai-vos uns aos outros, e não façais aos outros aquilo que não gostaríeis que se vos fizessem.