Ele está de frente pra tv. o sono aperta, mas o programa prende um tanto a atenção: uns sujeitos fazendo corridas clandestinas à noite em alguma cidade dos eua. um deles leva um cachorro no banco da caminhonete. ao lado, ela joga paciência no computador. – eu vou conseguir – ele de repente diz, entre um piscar de olho e outro. – o quê? – ela pergunta. – um filme. ainda vou fazer um grande filme, amor, pode acreditar. ainda vai ter muita gente me procurando pra saber das coisas que passam aqui pela minha cabeça.
– vai, sim.
– um filme foda, desses que as pessoas não conseguem mais esquecer. e vou tirar a gente desse aperto. vou levar você pra passear por aí.
– bem que seria bom – ela diz, sorrindo em sua direção.
um dos caras na tv está zangado depois de perder a corrida e fica dando cavalos de pau no meio da pista. o cachorro late.
ele fecha os olhos, cochila por um minuto ou dois – em seu sonho, um carro plana sobre o asfalto de uma autopista, seguindo numa velocidade além da luz. aos poucos, consegue ver o motorista: é ele mesmo, só que mais jovem. seu rosto está completamente azul. sorri. mesmo sonhando, tenta entender aquilo, mas não consegue. sente algo tocar em seu braço. abre os olhos e descobre é a mão da mulher.
– vamos?
ele se levanta, desliga a tv e os dois seguem juntos pelo corredor. ela deita-se sobre a cama, enquanto ele vai até o banheiro. para de frente pro espelho e olha para o seu reflexo. pensa por um segundo que todo mundo tem que tentar dominar o que traz dentro de si. e o tempo havia passado e quase nada mudara. e ele prometera coisas demais.
– qualquer hora dessas, eu vou mesmo mandar ver – diz baixo, mas o suficiente para que ela escute, ao entrar no quarto e se deitar sobre a cama. depois suspira e fecha os olhos outra vez.