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EXISTE JUSTIÇA SEM OUVIR O OUTRO LADO?

MÁRIO SCHNEIDER (SHI)
Mário Schneider é turismólogo, funcionário público,  membro da RAiZ Movimento Cidadanista, estudante de Administração e bacharelando em Humanidades pela Ufsb.
Mário Schneider é turismólogo, funcionário público, membro da RAiZ Movimento Cidadanista, estudante de Administração e bacharelando em Humanidades pela Ufsb.

Pois é justamente o que acontece quando você fala mal dos indígenas sem ouvi-los.

Não existe um meio de comunicação indígena, se quer ouvir o outro lado é preciso ir numa aldeia, ver com os seus próprios olhos e falar com os índios, pois os inimigos dos indígenas, desde muito tempo, colocaram notas nos meios de comunicação (que forma a opinião pública) e o resultado é que grande parte do povo foi formado nessa concepção contrária a luta indígena, achando que é fonte de fraudes, falsificações e é composta por preguiçosos que não querem trabalhar.

Até quando os meios de comunicação abordam os assuntos indígenas, quando por exemplo ocorre a divulgação dos conflitos por terra, as matérias a respeito do caso são pouco didáticas, não realizam uma abordagem necessária da legislação e das questões políticas e econômicas que estão por trás desses conflitos. Além do essencial, NÃO DÃO VOZ AOS ÍNDIOS.

No Brasil, muito diferente dos outros países, não existe nenhuma concessão de rádio ou televisão destinado para comunidades indígenas. Nenhuma! Até mesmo um programa com esse tema. Apesar da vasta e reconhecida produção de conteúdo de autoria indígena, não há onde se veicular.

A falta de uma opinião crítica a respeito dos dados apresentados e a forma como são expostos os fatos acerca dos conflitos, gera não apenas a desinformação, mas principalmente a formação de opiniões sem consciência e capacidade crítica ampla.

O argumento de que há fraude no sistema de reconhecimento da etnia, que busca deslegitimar a luta indígena, é de uma tremenda fragilidade, pois em todo lugar há problemas. Todos sabem que há fraudes no INSS, agora vamos parar a Previdência Social no país? Pelas falhas nos bancos vamos parar o sistema financeiro do país? Ou paralisar o campeonato brasileiro pelas roubalheiras da CBF? Não! Então não paremos com as demarcações e a preservação das culturas e saberes tradicionais dos povos indígenas e quilombolas.

Sem ouvir a voz dos índios, vai ser mais difícil garantir o direito ao território aos povos tradicionais e tomar conhecimento das ações que existem no Congresso, como a PEC 215 que transfere a responsabilidade de homologar Terras Indígenas, Unidades de Conservação e territórios quilombolas para o Poder Legislativo, local onde os interesses dos financiadores de mandatos (empreiteiras, latifundiários, banqueiros) são colocados acima dos interesses do povo, principalmente os povos tradicionais.

Sem ouvir a voz dos índios fica ainda mais difícil trazer à tona o fato de seis índios terem sido presos, supostamente em flagrante, após protesto contra a PEC 215 que, na prática, representaria a paralisação de todos os processos de criação dos territórios indígenas.

Sem ouvir a voz dos índios, vamos aceitar que juízes autorizem a grosso modo, a extração de areia em uma terra já demarcada e ainda aceitaremos que aqueles que estão protegendo o patrimônio natural sejam presos em meio a um protesto pacífico contra tal exploração.

Precisamos escutar o que conta os povos tradicionais, suas histórias e saberes, este conhecimento possibilita a apresentação de suas demandas ao Estado e o reconhecimento de sua existência enquanto pessoas humanas e cidadãs, detentoras de cultura e modo de vida próprios, fazendo valer assim os seus direitos.

Existem vários lados de uma história, vamos explorá-los e conhecê-los. Não é plausível que não vejam que nas prisões dos índios Babau e Teity, não existam outros fatos que não foram apontados, além da já contradição apontada nos motivos da prisão. O fato é que estavam lutando contra a exploração comercial de NOSSO patrimônio natural que, pasmem, foi autorizado por um juiz que ainda determinou a escolta da polícia para garantir tal exploração. Babau e seu povo lutam há anos contra a extração de minério, contra o desmatamento avançado, as queimadas criminosas, as difamações dos latifundiários e as tentativas de criminaliza-lo, para viabilizar a exploração comercial do seu território.

Precisamos denunciar os outros interesses por trás de toda ação contra os indígenas em nosso país. Nos unir em prol da garantia dos nossos direitos garantidos na constituição, pois ninguém fará isso por nós. A nossa elite – política e econômica – sabe bem utilizar seu poder com dois pesos e centenas de medidas para perpetuar a desigualdade, de forma cínica e covarde para nos separar, causar intrigas e impedir que nós questionemos todo o sistema como está posto.

Aqui estávamos quando outros vieram, aqui chegamos quando outros estavam, atravessamos oceanos e nos mesclamos num só povo, mas nossa história sempre foi contada e remontada sob a ótica do explorador e dos poderosos. Tal história como é contada, encontra ressonância no povo pobre que não se identifica como classe e acaba por não se juntar na luta com seus semelhantes.

Deem voz aos silenciados!