Na última terça-feira (23/02), as versões impressas de pelo menos oito jornais brasileiros publicaram um informe publicitário que faz a defesa tratamento precoce contra a COVID-19.
O material foi assinado por uma desconhecida associação de médicos de Pernambuco, Associação de Médicos pela Vida. O site do grupo está fora do ar.
As agências de checagem rapidamente acusaram a fake news: não há tratamento precoce contra COVID-19 e nem remédio capaz de prevenir a contaminação pelo novo coronavírus.
Por enquanto, o distanciamento social, o uso de máscaras, a higienização das mãos e a aplicação das vacinas são os únicos métodos disponíveis para se proteger durante a pandemia do novo coronavírus.
“Essas são as informações médicas, científicas, oficiais e mais recentes divulgadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). São posições baseadas em dados técnicos, também defendidos por centenas de entidades séries de saúde em todo o planeta”, descreveu a agência de fact-checking Lupa ao rebater o conteúdo do anúncio.
Ainda segundo a agência, no último ano foram pelo menos 46 verificações que indicam que cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina não têm eficácia comprovada contra o novo coronavírus.
Estudos com problemas metodológicos
O anúncio com o manifesto pelo “tratamento precoce” cita alguns sites desconhecidos como referência, como c19study, ivmmeta, hcqmeta, c19ivermectin e c19legacy. Eles teriam, supostamente, realizado estudos sobre medicamentos com efeito benéfico contra a COVID-19.
A agência de checagem Aos Fatos aponta para ausência de métodos precisos, o que coloca em xeque a credibilidade das informações fornecidas. “Análises fundamentadas aparecem em meio a outras sem o mesmo rigor, como pesquisas preliminares ou que não foram revisadas por outros cientistas”, descreve o site.
“Há casos ainda de pesquisas que tiveram seus resultados totalmente alterados, ou seja, que concluíram que medicamentos não funcionam para tratar a infecção, mas que, nas plataformas, aparecem com um resultado distorcido em favor do uso das mesmas drogas”, aponta ainda a Aos Fatos.
Além disso, os sites têm autores anônimos e não apresentam claramente as metodologias que usam para gerar os materiais. A reunião de dados de diferentes países também é problemática por ignorar as particularidades de cada região, como idade média da população.
Conclusões distorcidas sobre tratamento precoce contra COVID-19
A agência de checagem levantou, ainda, que muitas das conclusões de pesquisas robustas publicadas nos sites listados no anúncio publicitário como “bases de dados confiáveis” foram distorcidas em benefício do uso de remédios como a hidroxicloroquina.
Foi o caso de um estudo publicado no Clinical Infectious Diseases, que não encontrou benefícios ao avaliar o uso do medicamento para casos leves de COVID-19, nem redução da carga viral no corpo ou do risco de hospitalizações. Porém, o site c19study alega que o estudo mostrou que houve redução das internações em 25%.
O mesmo aconteceu com outro estudo, publicado no New England Journal of Medicine, que concluiu que a hidroxicloroquina não preveniu a infecção pelo novo coronavírus ao ser ministrada até quatro dias após a exposição ao vírus. O c19study, no entanto, descreve uma redução de até 49% no número de casos e alega que outros seis estudos independentes teriam confirmado a eficácia do medicamento, sem citar as fontes.
Estudos sem resultados
Como se não bastasse a indicação de sites com toda a sorte de problemas em relação à compilação de estudos e divulgação de dados, a Associação de Médicos pela Vida citou também no manifesto um estudo que sequer tem conclusão.
O estudo foi apresentado no site britânico COPCOV, que propunha um ensaio clínico financiado pela Universidade de Oxford com 40 mil pacientes para avaliar a eficácia da hidroxicloroquina para prevenir a infecção pelo SARS-CoV-2.
Como mostrou a agência Aos Fatos, o ensaio foi registrado em maio de 2020, mas até hoje não divulgou nenhum resultado. E pior: foram recrutados apenas 226 voluntários até o processo de seleção ser interrompido no Reino Unido, sem qualquer justificativa.
No próprio site da pesquisa consta ainda que dois grandes ensaios clínicos concluíram que a hidroxicloroquina não proporciona benefícios a pacientes hospitalizados