Por Elisabeth Zorgetz, estudante e membro do Reúne Ilhéus
O professor explicou: “o experimento socialista falhou porque quando a recompensa é grande [O que essa “recompensa” no capitalismo? A taxa de lucro da burguesia ou a mesa de um funcionário dos correios, após não possuir mais condições físicas para o trabalho nas ruas? Para quem serve a RECOMPENSA? É algo simples para se pensar] o esforço pelo sucesso individual é grande.
Há alguns anos atrás, um texto começou a circular na internet. Você provavelmente já o leu, em alguma corrente via e-mail, no orkut, facebook ou outra rede de relacionamentos. Seu gerente já pode tê-lo lido para sua equipe numa reflexão em grupo, ou até mesmo seu professor do ensino médio, como se contasse um caso. Por acaso, hoje me deparei novamente com ele. Como uma curiosa insistente, o li novamente. Como o tempo nos faz um bem!, pensei assim que terminei a leitura. Então me endireitei na cadeira, o copiei no Word, e comecei a usar o sistema de correção por comentário desse programa. Na minha última sílaba, relaxei as costas novamente, aliviada. Ao contrário de Yoani Sánchez, minha criatividade não brilha quando é financiada, por isso assim estamos.
Pois bem, esse texto foi construído no estilo parábola (seria quase uma fábula, se constasse um elemento fabuloso). Parábola, como aquelas dos evangelhos, sinóticos e apócrifos, todos eles. Estão, prestem atenção, pois o objetivo do texto é ensinar, trazer uma lição ao final. Colocarei meus comentários dentro dos colchetes.
“Um professor de economia [Método persuasivo: o papel do professor é orientar o aluno, com uma perspectiva de aprendizado positivo. O uso desse elemento como regente da parábola é uma clara alusão à certidão da linha cognitiva utilizada (por ele próprio). Por mais que pareça lógico, o fato de ser um professor de economia auxilia a reiteração de sua autoridade sobre um tema que, a princípio, se apresenta como econômico. No entanto, sem se render a “sociologismos”, é um tema social, acima de tudo. Agora, analise o peso da parábola se um SOCIÓLOGO estivesse a regendo] em uma universidade [A Universidade deveria ser um ambiente em que a experiência flui livremente. Ainda assim, o professor, aqui, assume um papel doutrinador, através do qual, os alunos, sem exceção, compreendem e assumem a conclusão obtida pelo mesmo. Estranho?] americana [Apesar de sabermos que, por americana, podemos ter qualquer instituição no território de 53 países, o autor da parábola provavelmente quis dizer “estadunidense”. Hoje sabemos que diversos intelectuais desse país compartilham tendências ou ideais afirmadamente socialistas, embora a tradição internacional componha um triunfo capitalista absoluto. Se ao invés de americana, o texto apresentasse uma universidade boliviana, qual seria sua impressão?] disse que nunca havia reprovado um só aluno[A primeira impressão, na parábola, de que todos os componentes do sistema são vitoriosos, quando, na verdade, são sobreviventes. Nesse momento, ele oculta a própria realidade social: assim como na sociedade, na turma há poucos alunos com ótimo desempenho, que margeiam as altas notas, e muitos alunos que estão à beira do limite ou nele], até que certa vez reprovou uma classe inteira[Nesse momento, o autor da parábola, entrega sua maior falha lógica para quem quiser entender. Apenas se houver um abismo notável entre seus alunos, ele reprovará a turma inteira. Se há um abismo desse tipo em sua turma (representado por diferenças no acesso ao material de estudo, tempo, esforço, atenção do professor e instituição) , algo de muito errado há com o sistema. Mesmo que se considerem situações excepcionais como desvios de atenção por traumas ou escolhas periféricas, a média ainda estará alta, se a maioria da turma atingir notas boas. É uma conta simples: qual a média entre 7 e 10?].
Esta classe em particular [Autor PARTICULARIZA a classe que insiste no socialismo. Essa é uma estratégia conhecida pela filosofia das ciências, ao expor o cisne negro de Popper. Sem sequer introduzir o método, o autor zomba da turma excepcional, ao prová-la facilmente refutável, assim como uma hipótese científica solitária] havia insistido que o socialismo realmente funcionava: com um governo assistencialista [PRIMEIRA PROPOSTA INCORRETA: O autor da parábola implanta, disfarçadamente, através de um apêndice particular da turma, que se transforma numa explicação do sistema, nesse caso. Acontece que assistencialismo é um tipo de programa populista, e populismo é uma relação de poder aliada ao capitalismo, inevitavelmente. O socialismo nunca propôs assistencialismo, e sim, trabalho, muito trabalho, e qualidade do trabalho] intermediando a riqueza [Essa é uma clara zombaria à inteligência dos leitores] ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e justo.
O professor então disse, “Ok, vamos fazer um experimento socialista nesta classe. Ao invés de dinheiro [Mercado financeiro é uma prioridade e cargo-chefe do sistema capitalista. No socialismo, o valor essencial é a força de trabalho. Assim, o professor atribui, logo de início, um conceito equivocado para substituição na própria experiência] ,usaremos suas notas [Aí se encontra o elemento mais absurdo da parábola. As notas de uma prova envolvem uma propriedade intelectual. O socialismo não reparte a criatividade e inteligência de ninguém. Se o argumento usado for o esforço, também é falho, pois o esforço intelectual pertence, também, à propriedade intelectual. Acaso Gorki foi menos Gorki por ser socialista? Metáforas deveriam ser usadas com um sentido comparativo possível, o que não é o caso] nas provas.” Todas as notas seriam concedidas com base na média da classe, e portanto seriam ‘justas'[Justiça é um conceito trabalhado sobre as ações da legalidade. A justiça no socialismo, é um componente que atinge a complexidade da sua própria construção científica. Mas a proposta socialista, como já foi sugerido, parte das condições e relações de trabalho, e não de uma divisão material estática] . Todos receberão as mesmas notas, o que significa que em teoria [“Em teoria, nesse caso, é um termo usado para desmerecer a si próprio. O pseudo-empirismo aplicado pelo professor sugere um abandono da construção teórica, ignorando-a ao longo da sua lógica. Que acadêmico faria tal coisa? Além do mais, há uma contradição: não foi apenas “em teoria”, na primeira prova, os alunos não foram reprovados. A partir desse momento no texto, tentarei seguir sua lógica “especial”, sem me ater a sua impossibilidade comparativa] ninguém será reprovado, assim como também ninguém receberá um “A”.[Por que não? É realmente impossível que a maioria dos alunos margeiem notas altas (que constituirão o A), mesmo considerando os casos excepcionais? Contradição do capitalismo revelada]
Após calculada a média da primeira prova todos receberam “B”. Quem estudou com dedicação ficou indignado [Seguindo a lógica da comparação, a indignação dos meritocráticos representa, em equivalência, a burguesia que trabalha e ascende, pois os resultados das notas representam sua distinção material. Essa afirmação não é injustificada, afinal, o trabalhador comum, apesar do seu esforço, não se destaca materialmente dos outros que trabalham menos que ele, pois não lucra. Logo, os indignados da classe são aqueles que obtêm mais-valia absoluta. Imaginemos, por exemplo, que 1/3 dos alunos da turma trabalhe durante o dia na empresa X com aceleração na produção ou metas fixas na semana da prova, enquanto outro 1/3 trabalhe meio turno numa fábrica Y com um ritmo automatizado e desgastante do trabalho. O restante da turma, no entanto, vive com a família e apenas estuda, pois seus pais são proprietários da empresa X e fábrica Y. Na parábola, mesmo que indiretamente, os meritocráticos estão explorando seus colegas, mesmo que os últimos também sejam meritocráticos. Dizer que boa parte da turma é, simplesmente, desinteressada e dislexa, é tolo], mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes[A expressão do sentimento dos beneficiados com as boas notas demonstra, nessa turma fictícia, a apatia de seus personagens. Como se todos os que recebem notas baixas fossem, necessariamente, trapaceiros e preguiçosos. Isso reflete o que a classe média pensa do sustentáculo pobre da população: indignidade] com o resultado.
Quando a segunda prova foi aplicada, os preguiçosos [Mesmo que houvessem “preguiçosos” na turma, para que o método do professor desse certo, pelo menos mais da metade da turma teria de ser preguiçosa] estudaram ainda menos – eles esperavam tirar notas boas de qualquer forma[Embora preguiçosos, ainda eram alunos de economia. Qualquer aluno primário interessado em matemática e estatística entende que valores baixos ou muito contrastantes levam a médias baixas. Por que um universitário ignoraria tal lógica?] . Já aqueles que tinham estudado bastante no início resolveram que eles também se aproveitariam do trem da alegria das notas. Como um resultado, a segunda média das provas foi “D”. Ninguém gostou.[Novamente, demonstrada a apatia da turma. Se nega, no caso, qualquer sentimento relativo por parte dos alunos, como regojizo, fúria, diversão, etc. Se torna automático para o aluno com notas baixas, tal como para uma planta sem o sol, um sentimento depressivo]
Depois da terceira prova, a média geral foi um “F”. As notas não voltaram a patamares mais altos mas as desavenças entre os alunos[Agora, atingimos um outro objetivo da parábola, apelar para a criação caótica. Com o descontrole emocional negativo entre os alunos, o autor pretende demonstrar a perniciosidade do socialismo. Desconsidera, no entanto, que o gerador do conflito, foi, na verdade, o confrontamento das dramáticas diferenças materiais entre os alunos, representadas pelas notas] , buscas por culpados e palavrões passaram a fazer parte da atmosfera das aulas daquela classe. A busca por ‘justiça'[Novamente, um valor universal é utilizado para inocentar os meritocráticos e tentar provar, através da lógica equivocada, que não tal valor age contrariamente ao que os alunos defendiam: o socialismo] dos alunos tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e senso de injustiça que passaram a fazer parte daquela turma. No final das contas, ninguém queria mais estudar [Observem uma comparação absurda que eu também poderia fazer: uma mãe tem três filhos, um deles trabalha exaustivamente em casa, o outro pouco, e o terceiro nada. Os dois primeiros, ao notarem a injustiça da situação, se recusam a trabalhar também, sobrecarregando a mãe e a matando de cansaço. Comparação perigosa? Claro! Estamos envolvendo o amor entre mãe e filhos. Do mesmo modo que estamos envolvendo vaidade intelectual e criatividade quando aceitamos a comparação da parábola. Agora imagine um chão de fábrica. Uma cooperativa. Para que a produção mantenha um bom ritmo e qualidade, no trabalho e no produto, todos os operários precisam realizar regularmente suas tarefas. A produção regular é essencial para os preços baixos de alimentos básicos no mercado interno, logo, o operário e sua família serão atingidos diretamente caso decida trabalhar com desleixo ou trabalhar pouco. É assim que acontece quando falamos claramente sobre o problema. Definitivamente, não precisamos de metáforas para ilustrá-lo, muito menos as equivocadas] para beneficiar o resto da sala. Portanto, todos os alunos repetiram aquela disciplina… Para sua total surpresa.
O professor explicou: “o experimento socialista falhou porque quando a recompensa é grande [O que essa “recompensa” no capitalismo? A taxa de lucro da burguesia ou a mesa de um funcionário dos correios, após não possuir mais condições físicas para o trabalho nas ruas? Para quem serve a RECOMPENSA? É algo simples para se pensar] o esforço pelo sucesso individual é grande. Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas[Voltamos então, ao argumento material, que deveria ter sido usado desde o princípio. Sempre me recordo, quando ouço esse discurso, do Dr. Zhivago, quando percebe, horrorizado, que a mansão onde morava estava ocupada por várias famílias. Muitas vezes me perguntei: o seu choque foi por ver a propriedade da sua família usurpada ou por perceber quantas pessoas ali cabiam? Esse exemplo foi muito usado na União Soviética para ensinar, duramente, uma lição a aristocracia. Como eu já mencionei, o socialismo lida com o valor do trabalho e não com riquezas estáticas. O objetivo de uma reforma agrária, por exemplo, é um maior e mais aproveitado sistema de produção de alimentos e matérias-primas, e não que o pequeno proprietário ostente um pedaço de terra. Propriedade material indiscutível é uma abstração que serve ao capitalismo, não façamos confusão sobre isso] dos outros para dar aos que não batalharam por elas, então ninguém mais vai tentar ou querer fazer seu melhor. Tão simples quanto isso.” [Finalmente, o professor finaliza seu discurso com a mais absurda frase de efeito. Depois de tantos elementos contraditórios, amalgamados àqueles já próprios do sistema capitalista, não há nada que seja simples. De simples, ou melhor, simplória, temos apenas a expectativa que o autor coloca sobre seus leitores, julgando-os estúpidos, como um dia, me permiti ser. Mas passou, ainda bem]