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À COMUNIDADE ILHEENSE

ELIZABETH ZORGETZ
Elisabeth Zorgetz é ilheense, escritora e membro do Núcleo de História da Dependência Econômica na América Latina - HEDLA.
Elisabeth Zorgetz é ilheense, escritora e membro do Núcleo de História da Dependência Econômica na América Latina – HEDLA.
Não nos resta tempo ou esforço para tornar essa apresentação mais didática. Colocarei, portanto, com exagerada clareza e objetividade, os termos que nos fizeram chegar até aqui, os mesmos que serão de interesse da justiça, se houver. Apesar de toda angústia da impotência frente a tantas injustiças, há algo de feliz que a juventude hoje conheça tanto desse espúrio sistema de transporte público e possa compartilhar esse conhecimento com todos os demais.
A – O edital de licitação divulgado pela prefeitura de Ilhéus não está respaldada num Plano Municipal de Mobilidade Urbana conforme prevê a legislação federal e o PDDU. Nesse plano, deve constar a integração com outros sistemas de transporte, não apena de ônibus, considerando que há leis especificas que regulamentam o uso de calçadas, elevadores, bicicletas e outros meios de transporte. O Plano Municipal de Mobilidade Urbana deve integrar todos os meios de transporte para tornar eficiente e eficaz o sistema de ônibus na cidade. Além disso, é necessário investir em alternativas tecnológicas que sejam racionais e não prejudiciais ao meio ambiente.
B – A existência da Câmara de Compensação Tarifária, prevista em Edital, é questionável, uma vez que não se conhece qualquer traço de sua atuação e composição.  É necessária a existência de fundo de recursos, criado por lei, destinado a garantir a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro entre os custos das empresas e a sua remuneração, que viabilize um interregno mais dilatado entre os ajustes tarifários, e que revele um maior potencial de assegurar a modicidade da tarifa.
C – A incompatibilidade dos dados entre planilhas revela que as empresas estão, efetivamente, auferindo receitas indevidas, a título de remuneração pela depreciação da frota, mediante a utilização de veículos cuja parcela depreciável já tenha sido integralizada.
D – No Capítulo 7 do C.C. da empresa São Miguel, a Clausula 40 e da Via Metro, Clausula 41 coloca “se durante a vigência do termo de concessão forem criados novos tributos, encargos sociais e trabalhistas e acidentários, ou modificadas as alíquotas dos atuais, ou ainda, concedidas ou revogadas isenções de forma a, comprovadamente, aumentar ou diminuir os ônus decorrentes do termo de concessão, serão revistos de IMEDIATO os valores correspondentes a esses itens nas fórmulas de cálculo dos custos, após a confirmação oficial, a fim de adequá-las a essas modificações ocorridas, quaisquer diferenças delas decorrentes, sem que caracterize atraso de pagamento. Ou seja, há uma contradição APARENTE no contrato, uma vez que o mesmo veda efeitos retroativos sobre a tarifa, além de não respeitar as desonerações tarifárias atuais.
E – As planilhas de custos e receitas apresentadas pelas empresas ViaMetro e São Miguel em três momentos (pedido de reajuste em 2013, consulta pública em 2013 e pedido de reajuste em 2014), não apresentam qualquer desconto das desonerações aplicadas desde janeiro de 2013. Considerando apenas duas delas, a redução da tarifa poderia ser de até 17 centavos. São elas:

1. Desoneração da folha de pagamentos
A – Para o setor de transportes urbano rodoviário, metroviário e ferroviário:
Desde janeiro de 2013, foi eliminada a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de pagamento das empresas de serviço de transporte. Em contrapartida, essas empresas passaram a pagar apenas 2% sobre seu faturamento, com impacto anual estimado de R$ 1,45 bilhão.
B – Para fabricação de ônibus e equipamentos ferroviários:
Para as empresas fabricantes também foi adotada a eliminação da contribuição patronal na folha. Nesse caso, houve a adoção de uma contribuição de 1% sobre o faturamento, resultando em uma desoneração de R$ 176 milhões por ano.
2. Eliminação do PIS/Cofins
Desde o início deste mês, está em vigor a Medida Provisória 617, que elimina a incidência de PIS/Cofins sobre a receita das empresas de transportes urbano rodoviário, metroviário e ferroviário. A alíquota anterior era de 3,65%.
3. Redução para zero da Cide sobre diesel
Desde junho de 2012, a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) foi reduzida a zero para os combustíveis. Com essa redução, reduz-se o preço do óleo diesel utilizado pelos ônibus urbanos, contribuindo diretamente para a diminuição dos custos do transporte público. Para todos os combustíveis, a estimativa da renúncia fiscal com a redução a zero da Cide é de R$ 11,4 bilhões.
4. IPI Zero para ônibus
Os ônibus estão isentos de IPI (Impostos sobre Produtos Industrializados), iniciativa que certamente contribui para a redução dos preços finais dos ônibus, com impacto sobre a tarifa de transporte.
5. Redução do custo de financiamento na aquisição de ônibus
Em 2013, a taxa de juros para a compra de ônibus, vagões e locomotivas está estipulada entre 3% e 4%, dentro do programa federal PSI (Programa de Sustentação do Investimento). O prazo de financiamento é de até 10 anos. Com essa redução de custo financeiro, incentiva-se a aquisição de ônibus pelas empresas de transporte público. Desde 2009, já foram desembolsados R$ 11,6 bilhões para o transporte urbano e rodoviário no Cambito do PSI.
F- Os termos e conteúdo desta licitação devem ser debatidos por um Conselho Municipal de Transportes, com ampla participação da população usuária, trabalhadores e representantes da sociedade, com poder DELIBERATIVO e articulado com o Conselho Municipal da Cidade, também com poder deliberativo. Portanto, a prioridade inicial é a formação dos dois Conselhos e o cancelamento imediato desta licitação. O atual Conselho de Transportes é apenas consultivo e sua maioria expressiva de membros apoia as decisões e interesses da Prefeitura e Empresas, quando não os seus próprios.
G – Impropriedade Metodológica no cálculo: A forma de cálculo empregada contraria as orientações técnicas, colidindo com a razoabilidade e contrariando as disposições dos contratos incidentes no que diz com a modicidade das tarifas, demonstrando a impropriedade dos critérios utilizados no cálculo e sua repercussão na tarifa, os quais, se mantidos, constituem violação dos princípios constitucionais e administrativos da legalidade, da moralidade e da eficiência. Com a devida apuração, é possível demonstrar que com a sistemática de cálculo utilizada em Ilhéus, qual seja a de considerar a Frota Total como divisor da quilometragem total no cálculo do Percurso Médio Mensal – PMM, acaba por se diminuir artificialmente a produtividade do sistema, uma vez que pressupõe a rodagem simultânea dos veículos reservas e operantes (efetivos). A Frota Reserva não deve ser alocada na quilometragem rodada para fins de cálculo tarifário, pois, se reservada para esse fim, constitui Frota Operante. Com efeito, na forma como se dá a apuração do PMM, os veículos reservas assumem a condição de veículos em operação, contrariando a metodologia comumente empregada e onerando a tarifa. O uso da Frota total, notadamente nos cálculos das tarifas  relativas  aos  exercícios  de  2012  e 2013,    constitui  ato  arbitrário,  sem  nenhum fundamento técnico ou legal. A importância dessa distinção, entre veículos em operação e veículos na reserva, tem influência direta no cálculo da tarifa, pois a tarifa calculada corresponde à divisão entre o Custo Total por Quilômetro.
H – O anexo I do edital apresenta roteiros de linhas de ônibus, mas não se sabe se elas contemplam as demandas populares, as reais carências dos bairros, pois não citam pesquisas de origem /destino, por exemplo, que poderiam ter orientado o planejamento das mesmas. Não estabelece a quantidade de ônibus que haverá em cada linha, nem os horários dos ônibus.  As linhas a serem definidas pelo edital devem seguir um diagnostico real de necessidades, identificadas a partir de consulta às lideranças dos bairros e pesquisas de origem e destino. Sabemos que atualmente faltam ônibus em todas as linhas, inclusive aos finais de semana e durante a noite.  
I – A média de passageiros proposta na licitação é de (7) passageiros em pé por metro quadrado – o que ultrapassa a média internacional que é de 3,5 passageiros/ m2.
J – A venda antecipada de passagem e a bilhetagem eletrônica, com o controle da arrecadação pelos empresários, além de representar um lucro ainda mais elevado aos mesmos, permite que passem a antecipar receitas e a controlar parte substancial dos valores gerados o que lhes dá o poder de controlar o principal recurso que o poder público teria para coibir a redução na qualidade dos serviços.  A proposta é ter um Fundo Municipal de Mobilidade que possa gerir os recursos arrecadados e não a ATRANSPI gerenciar os mesmos. A proposta é suspender licitação e implantar uma Política Municipal de Transporte com uma empresa pública.
L – Há falhas técnicas no edital como a omissão sobre normas de acessibilidade para pessoas com deficiência, idosos e outros segmentos. No anexo IV faltam referências a decretos e leis sobre acessibilidade que já incluem normas especificas.
M – O sistema de segurança do SIT visa atingir os estudantes que por necessidade compartilham o passe com familiares, o que vai ser proibido com esse novo mecanismo de controle, elevando os custos de deslocamento dos alunos por restringir a possibilidade dos pais ou responsáveis acompanharem a criança à escola.
N – Com a bilhetagem eletrônica há risco de desempregar muitos cobradores. A concessão só deve ser feita com o compromisso formal de manutenção destes postos de trabalho e não pode haver superposição de funções de cobrador e motorista nos ônibus, pois isso prejudica a saúde do trabalhador e coloca em risco a segurança dos passageiros.
O – A modalidade de concessão dessa licitação está baseada no maior valor pago pela empresa para obter a concessão das linhas e não no menor valor da tarifa oferecida sendo, portanto, prejudicial aos interesses da população. Ilhéus possui a segunda maior tarifa do nordeste. Estudos mais recentes em algumas capitais, como Curitiba, apontam que a tarifa de ônibus pode ser reduzida para R$ 2,25.
P – O prazo de concessão por 30 anos chega a ser o dobro de várias capitais e apenas privilegia os empresários e ganhos substanciais na forma de retorno do capital investido, sem nenhum risco. Na maioria das cidades brasileiras, incluindo São Paulo, Recife e Rio de Janeiro, o prazo máximo de concessão é de 20 anos. O prazo da licitação proposto para a cidade de Ilhéus fere o princípio da razoabilidade, impede a realização de novas licitações e causa o engessamento na qualidade de prestação dos serviços.
Q – É preciso garantir a obrigatoriedade e padrões mínimos de qualidade e conservação para os locais destinados ao descanso, higiene e alimentação dos trabalhadores do transporte coletivo e usuários nos terminais em bairros periféricos. Tais condições devem, necessariamente, ser discutidas com trabalhadores e o Conselho de Transportes antes de qualquer determinação sobre reajuste.
R – No edital deve-se garantir à população usuária, aos trabalhadores em transporte coletivo e demais setores da sociedade, o direito de elegerem representantes em todas as linhas e empresas, com poder de fiscalização permanente sobre os serviços prestados, o cumprimento efetivo dos contratos de concessão, medidas de segurança para passageiros e trabalhadores e outras garantias já previstas em leis. Para a realização dessa fiscalização serão eleitos representantes vinculados ao Conselho Municipal de Transportes.
S – O contexto delineado dá ensejo à adoção de providência administrativa voltada à correção do consignado e ao próprio questionamento da ineficiência da fiscalização pela Concedente, sob pena de desvirtuamento da finalidade da própria prestação do serviço público concedido, com a consequente violação aos princípios da legalidade, da moralidade, da razoabilidade, com inevitáveis reflexos sobre a modicidade das tarifas, circunstâncias que configuram o fumus boni juris, e cuja manutenção, por si só, mostra-se lesiva ao interesse público.
Represento o Diretório Central de Estudantes no Conselho Municipal de Transportes de Ilhéus e hoje, às 17:30, foi marcada celeremente mais uma reunião para dar o parecer sobre o aumento da tarifa para 2,60. Em razões de saúde, não estarei na cidade, mas deixo essa breve amostra das ilegalidades que temos combatido sem ter mais a quem apelar. Os sofrimentos e cruezas a que são expostos os usuários de ônibus na cidade de Ilhéus cotidianamente não podem ser descritos aqui, apenas eles o conhecem.