“Meus trabalhos são marcados por minha trajetória pessoal”, assim se apresenta Janete Lainha, mestra pela cultura popular que traz sua obra “Logra e Logro” para a capa do catálogo do Teatro Gamboa Nova, pelo projeto Se Mostra Interior, promovido pela Fundação Cultural do Estado (Funceb). Negra, candomblecista e atual presidente do Conselho de Cultura de Ilhéus, sua luta foi entalhada em madeiras que virou os formões de suas xilogravuras e cordéis.
Em seu currículo, Janete tem 800 cordéis, cerca de 1.000 xilogravuras e 40 exposições e feiras. Mas este é o primeiro concurso em que a xilógrafa é contemplada individualmente. “Eu comecei a ilustrar as capas de meus cordéis, foi aí que me chamaram atenção que eu deveria valorizar mais meu trabalho”, conta.
A xilogravura “Logro e Logra”, que compõe o catálogo do Teatro Gamboa Nova, em Salvador, para o mês de agosto, se baseia numa duplicidade feminina e diz sobre o sagrado feminino, lida com o pecado e a benção, representando também a perseguição das mulheres e as suas conquistas. “As mulheres estão cada vez mais em evidência. Hoje tratamos das especificidades de mulheres negras, reafirmamos nossas conquistas no mercado de trabalho e debatemos o lugar de fala”, diz.
“Apesar de ser reconhecida pela cultura popular, estar em circulação pelo Se Mostra Interior é revigorante. Tenho 60 anos e isso me dá fôlego de mais 10 anos. Fazer parte do catálogo me põe em circulação na história da arte na Bahia”, afirma. Desenhando a força de mulheres que os trabalhos de Janete Lainha começaram a circular.
Talhando a força da mulher
Sua primeira exposição de xilogravura foi em 2014 entitulada “Sangrando”. “Eu me feria muito, mas também tinha o prazer de ver a obra nascendo. Nela eu transportava sempre esse retrato da mulher que sofre, mas também que goza de suas conquistas”, explica a mestra. Outros trabalhos de Janete podem ser visto na do Facebook (https://www.facebook.com/Xilogravuras-da-Mestra-Lainha-483721328468483/)
Talhar a madeira, imprimir no papel, esperar secar para só então ser digitalizado é um árduo trabalho de quase oito dias que Janete não abre mão de sua realização. “Eu me orgulho de dizer que sou uma das poucas de minha cidade que vive de arte”, destaca. “Desenvolvi um trabalho de larga escala para dar conta de me sustentar. Vendo minhas obras no ponto de cultura que tenho e nas feiras em que declamo”, expõe.
No começo Janete usava restos de metais para fazer as goivas (instrumento para entalhe da madeira). “Eu pegava partes do guarda-chuva e até um martelo do meu companheiro”, descreve. Reconhecida como mestra da cultura popular, a artista ganhou instrumentos novos, mas se viu num cenário marcadamente machista. “Eu ouvi de um par que meu trabalho não duraria muito”, relata.
Apesar de não ter feito um curso acadêmico em artes visuais, Janete tem uma extensa produção e sua história é contada por diversas pesquisas desenvolvidas por universitários. Entretanto, Janete provoca uma reflexão que exige atenção sobre a produção artística de mulheres: “quantas mulheres xilógrafas que sobrevive de arte você conhece? ”, provoca.