Na época em que morei no Rio eu sonhava em ser um grande escritor. não um escritor qualquer, mas alguém realmente foda, quem sabe uma mistura de joão antonio com sam shepard, ou algo parecido. morava com meus sogros no cachambi e logo nas primeiras semanas consegui um trabalho como auxiliar de caminhões munck em ramos, perto da avenida brasil. foi por conta dele que conheci grande parte da zona norte e da zona oeste, entrei em velhas fábricas de tubos, bobinas e todo tipo de coisas malucas e muito pesadas, fábricas que recendiam aos filmes de mad max. subi morros não pacificados para içar placas enormes. lembro de uma vez em que chegamos a ir no projac, mas não havia nenhuma atriz à vista por lá. eu vivia dependurado nas alturas, uma baita fera gorda a tentar encaixar o gancho do munck nas correntes, torcendo para que nenhuma merda acontecesse até o material estar assentado no fundo do caminhão. pensava que um dia tudo aquilo se transformaria em literatura.
houve então aquela manhã: eu lia o jornal que o motorista havia comprado e deixado sobre o banco e vi o anúncio de uma imobiliária que contratava estagiários para o seu quadro. no dia seguinte, liguei para o munck dando a desculpa de que estava com dor de dente e fui fazer a entrevista na imobiliária, que ficava num prédio lá no aterro do flamengo, o prédio do eike batista, com cinco ou seis elevadores e umas loiras sorridentes na portaria. eu usava uma camisa emprestada do meu sogro, ela que era branca com listras azuis desgastadas, e uma calça jeans com muita história pra contar. a camisa estava com a manga dobrada até o cotovelo por conta de um furo. sentado de frente para o gerente, que chamava-se aldo lomma, um dos vermes menos confiáveis que já conheci, menti bastante e tentei parecer um sujeito agradável e desembaraçado. a coisa funcionou. o canalhão disse que havia gostado de mim, que eu seria um sensacional corretor de imóveis. e então, de um dia para o outro, lá estava eu, livre dos macacões cheios faixas fosforescentes, de óleo e de graxa, e metido nas camisas listradas do sogrão. belos dias foram aqueles em que eu adentrava os lares de copacabana, e também de alguns outros bairros da zona sul, mas sobretudo de copacabana, porque sempre fui caído por aquilo ali. conheci muitas pessoas, todas à sua maneira um pouco tristes e um pouco loucas, todas em busca da sua própria luz, e tudo aquilo me acompanha até hoje. à noite, ao chegar em casa, ao invés de ler e escrever, eu entrava nos sites das imobiliárias e olhava as fotos dos apartamentos, uns maiores e mais bonitos que outros, e imaginava-me andando de cuecas por um daqueles corredores, chegando à sala, depois indo até a janela e olhando lá pra fora, para as pessoas que caminhavam pela calçada. eu acenava para elas. lá atrás, as areias e um mar que não tinha mais fim.