Sempre me impressionou a dimensão humana de Cristo, sua presença como pessoa de seu tempo e lugar, sua atuação como homem de carne e ossos, sujeito às vicissitudes de sua época.
Nada tenho contra o Jesus Deus, propalado pelas Igrejas. Mas para mim Jesus foi um ser de existência concreta, real, humana, que nasceu na Palestina, em um reino governado por Herodes, submetido à lógica da dominação romana, este sim o grande império daqueles tempos.
Sem ser o mais pobre entre os pobres, pois sua família não estava submetida à escravidão e seu pai tinha uma profissão, a família de Jesus era, sem dúvida, bastante humilde, tendo que forjar a cada dia, com o suor do próprio rosto, a subsistência de seus membros.
Tenho convicção da existência histórica de Jesus, o homem, e da mesma forma acredito que realizou os milagres que lhe são atribuídos. Estes permanecem, até hoje, inexplicáveis do ponto de vista da ciência. Mas sabemos que há muitas coisas que a ciência não explica, e que nem por isso deixam de ter efetiva existência.
É esse Jesus homem e suas relações sociais que me encanta, que o traz ainda mais para perto de nós, de nossa natureza igualmente humana, que nos permite chamá-lo de irmão, embora seja o Irmão Maior.
Como se sabe, Jesus transformou a água em vinho, curou cegos e leprosos, ressuscitou mortos. E como também se sabe, era pobre, sem quaisquer bens materiais, e morreu executado pelo Estado de Roma, a pedido da elite religiosa e política dos Hebreus, com a chancela do povo de sua época, que escolheu libertar Barrabás.
Cumpre exaltar a dimensão humana de Jesus para percebermos que ele, de fato, quis tornar-se o Cristo, e abriu mão de todas as riquezas, confortos e honrarias em nome de seu objetivo, ou Missão.
E que riqueza Jesus possuía?
Sua própria inteligência, carisma e talento, que poderiam tê-lo transformado no maior líder político de todos os tempos, no homem mais rico de sua época, para que seu nome ecoasse por séculos como fundador de um Estado que talvez durasse mil anos.
Assim como Jesus curou leprosos miseráveis, poderia ter livrado das moléstias a um grande senhor de terras e escravos ou ao filho de um governante, que de bom grado lhe daria todo o ouro e púrpura que possuísse. Assim como ressuscitou ao pobretão Lázaro, morto há três dias, poderia fazê-lo com o filho do governador ou do Sumo Sacerdote, e cair para sempre nas graças dos ricos e poderosos de seu tempo, para merecer todos os presentes e homenagens possíveis.
Tal como Jesus usou de sua agudíssima inteligência e habilidade para fazer com que judeus enfurecidos desistissem instantaneamente de cumprir a lei que mandava executar a pedradas a mulher flagrada em adultério, poderia tê-las usado para ascender socialmente, aproximando-se dos poderosos e, a partir daí, do próprio César.
Ele sabia que as mesmas massas de humildes que o acompanhava, ouvindo suas palavras, poderiam exaltá-lo em uma caminhada em direção ao poder, ou levantar-se de armas em punho a um simples comando de voz. Mas jamais o fez.
É por isso que quando a Bíblia nos diz que Jesus foi tentado com todas as riquezas do mundo, e que todos os palácios e reinos foram postos a seus pés unicamente para que ele abdicasse de sua missão, isto não é uma linguagem figurativa. E quem fez isso não foi o diabo: Foi o mundo, a oferecer-se em facilidades e glórias temporais àquele que foi, sem dúvida, o melhor entre os homens, mas ao mesmo tempo um simples homem.
Jesus teve a força e grandeza de recusar tudo isto para enfrentar acusações imerecidas, um julgamento injusto e uma execução penosíssima, pois a crucificação não era somente uma forma de aplicação da pena de morte, mas a pior existente em seu tempo, a mais lenta, dolorosa e publicamente infamante.
Eis aí a grandeza de Jesus, sua verdadeira dimensão divina. Sem essa metáfora de “Eu sou o Cordeiro de Deus”, mas com a dureza de uma execução tramada pelos ricos, apoiada pelos pobres e levada a cabo pelo Estado.
Sem desrespeitar ao Jesus das religiões, para mim é esse Jesus humano que mais importa, que mais toca, e quem mais fez.
Ao aceitar sua execução, Jesus dividiu a história em antes e depois dele, projetou inapagavelmente suas palavras em nossas mentes, perpetuou-se e cresce cada vez mais através dos séculos.
Mais do que tudo, faz-se presente no mundo, ainda hoje, milhões de vezes por dia e em todos os países, quando ajudamos alguém, quando amparamos aos idosos ou educamos às crianças, quando conseguimos perdoar alguém, quando agimos com retidão, quando trabalhamos com vigor pela construção de um mundo melhor.
Sua morte não foi uma abstração. Seus milagres também não o foram. E sua presença entre nós é igualmente palpável, material, diuturna, a cada coisa boa que conseguimos fazer.
Viva Jesus, que Jamais foi saudado como Imperador, mas que permanece vivo como Cristo.