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MINHA AVÓ

RODRIGO MELO

Rodrigo melo é Catitu, pai de Amaralina, filho de Ilhéus, escritor e fera no pingue-pongue.
Rodrigo melo é Catitu, pai de Amaralina, filho de Ilhéus, escritor e fera no pingue-pongue.

Minha avó, antes do almoço, gostava de beber uísque nacional, Drurys ou Old Eight. Gostava também de usar batas com estampas de flores, de araras, papagaios, e de paraísos tropicais. As batas tinham as golas e as pontas das mangas feitas com tecidos lisos, de uma outra cor, de maneira que ela andava pra lá e pra cá, toda colorida, comentando sobre o que fazer para o almoço, sobre algo que uma vizinha lhe falara ou um troço qualquer que acabara de ler no jornal.

Os filhos a chamavam respeitosamente de “A Velha”, mas pode-se dizer que agia como se tivesse a mesma idade deles. Lembro dela debruçada no fogão, mexendo o gelo dentro do copo com um dos dedos, a preparar uma moqueca ou um caruru. A velha tinha mesmo a mão. Das coisas espirituosas que dizia, recordo de muitas, do seu sorriso ao ver a Pantera cor de rosa na tv, do buraco com as comadres, do seu time do coração estampado no fundo do cinzeiro abarrotado de pontas de holywood, das ruas do Jorro, onde ia com a parentada no verão: as ruas de barro e o sertão, mingau de milho e tapioca, a sensação de que tudo seguiria naquele mesmo ritmo para sempre.

Trago, ainda marcado na alma, um tapa que levei por quebrar um jarro, a gaveta do guarda-roupa com sacos de balas Soft e serenatas de amor, a cozinha sempre cheia de gente e o quintal, o bom e velho quintal, com Rex amarrado num canto a latir, os pés de acerola carregados,  os pés de biri-birí. Dias bons em que o mundo parecia um lugar melhor.

Por essa época, meu avô andava nas roças a cuidar dos negócios da família e de outros também (descobriu-se, depois, que a família aumentara pro lado de lá). Nas horas vagas, ele aparecia. E a velha, que tinha o coração grande, aceitava-o com o melhor sorriso. E então o sol brilhava no céu de um azul muito limpo, as balas Soft surgiam aos montes, mais do que antes, e a mesa ficava ainda mais farta, e o chão do quintal enchia-se de acerolas e biri-birís, e havia futebol na tv, pudim de leite com calda de ameixa e Rex fugindo para a rua, dando um drible em todos nós, para voltar logo em seguida com o rabo entre as pernas.

As fotografias têm vida e fazem sofrer. Eu era um menino a achar que a vida só ia melhorar.