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MOTOCOBRA: QUANDO QUEM DEVERIA PROTEGER…

Dia 06.03.2020 foi publicada Emenda nº 007/2017 que, dando nova redação ao § 3º do artigo 272, estabeleceu a proibição de que motoristas atuem como cobrador no transporte coletivo, popularmente conhecido como motocobra, relembre clicando AQUI.

De início, deixa-se claro que a briga pelos postos de trabalho é legítima e deve ser encampada por todos, principalmente pelo Poder Público que possui os instrumentos indispensáveis a tal empreitada.

Contudo, não podemos deixar de pontuar qual o propósito da Câmara de Vereadores de Ilhéus em promulgar uma emenda à Lei Orgânica Municipal sabidamente INCONSTITUCIONAL, já que o Legislativo Ilheense não tem competência para legislar sobre matéria por dois motivos. Primeiro deles, a norma seria de iniciativa do Poder Executivo, em que pese previsão contida na LOM, artigo 32, inciso V, a mesma não tem o condão de suprimir a prerrogativa do Prefeito em dá início ao processo legislativo (LOMAN, artigo 51, inciso II). Sobre esta competência o STF, no Recurso Extraordinário nº 627.971, oriundo de São Paulo e de relatoria da Ministra Cármen restou assentado que a “pacífica jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal afirma ser do Chefe do Poder Executivo a iniciativa para as normas que versam sobre serviços públicos…” para concluir que a “iniciativa parlamentar de lei que versa sobre serviços públicos significa indevida ingerência do Poder Legislativo na atuação reservada ao Poder Executivo, constituindo ofensa ao princípio constitucional da reserva da administração”.

O segundo ponto e também de grande importância, reside no fato de falecer competência à Câmara de Vereadores legislar sobre relações de trabalho. Tal competência é, conforme estatuído no artigo 22, incisos I e XVI da Constituição Federal, privativa da União.

Diversas tentativas de regular a matéria pelas Câmaras de Vereadores e até mesmo Assembleias Legislativas esbarraram neste vício incontornável. Uma simples busca em sites de pesquisa trará a problematização desta matéria de grande apelo social.

Em parecer na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3960) proposta pelo Governador do Estado de São Paulo, cujo escopo era a impugnação à Lei Estadual nº 12.252/2006, afirmou o então Procurador-Geral da República, Antonio Fernando Souza que ao “vedar que certa categoria exerça uma específica atribuição está o estado de São Paulo a pretender regular determinada profissão. Ocorre, contudo, que pelo nosso modelo constitucional, as profissões devem receber tratamento jurídico planificado, uniforme em todo o território nacional”. A ADI em questão transitou em julgado no TJ/SP.

Outra decisão paradigmática foi a proferida no RE 602318 / SP, também de relatoria da Ministra Cármen Lúcia e que restou assim ementada:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LEI MUNICIPAL QUE DETERMINA A CONTRATAÇÃO DE COBRADORES EM VEÍCULOS DE TRANSPORTE COLETIVO URBANO. DIREITO DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO. PRECEDENTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. 

Saliente-se que há muito tramita o Projeto de Lei nº 2.163-C/2003 de autoria do Deputado Federal Vicentinho/PT-SP que proíbe o exercício “de atividade concomitante de motorista e cobrador de passagens em transportes coletivos rodoviários urbanos e interurbanos”, posteriormente apensado ao Projeto de Lei nº 3.397/2019 de autoria do Deputado Boca Aberta/PROS-PR que proíbe “empresas e concessionárias de transporte coletivo que toleram o acúmulo de função motorista/cobrador, a assinatura de convênios com o Executivo nas áreas de transportes e mobilidade urbana”.

Portanto, quer-nos parecer que a Câmara de Vereadores de Ilhéus, agindo de inopino, trouxe ainda maior insegurança à categoria, já que ao burlar o regular processo legislativo deu as cartas necessárias para que as empresas de ônibus possam suspender os efeitos desta emenda à LOMAN que, ao nosso sentir, é inconstitucional.

Por fim, faz-se necessário que o Poder Executivo, concedente do serviço de transporte público, atue para preservação dos postos de trabalho destes pais e mães de família, utilizando-se, para tanto, dos mecanismos contratuais.