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NÃO EXISTE AMOR EM “BA”

RODRIGO MELO

Rodrigo Melo é Catitu, pai de Amaralina, filho de Ilhéus, escritor e fera no pingue-pongue.
Rodrigo Melo é Catitu, pai de Amaralina, filho de Ilhéus, escritor e fera no pingue-pongue.

Então eu estava lá, na fila do supermercado. Uma fila enorme, é bom que se diga, e havia essa mulher que queria entrar na frente de todo mundo com o seu carrinho lotado de coisas. Ela realmente parecia estar, como quem não quer nada, forçando a passagem. Não reclamei por que hoje em dia é complicado sair por aí reclamando. Todo mundo tem feito isso, de modo que ou você se revolta de verdade e começa a gritar e a espernear ou então assume logo a culpa e sai de fininho. Eu, que não estava com ânimo para gritar nem sair de fininho, resolvi fingir que não tinha notado nada.

O sujeito que estava atrás de mim falou algo, reclamou da demora para sermos atendidos. Era do rio, passava as férias. Achara a cidade bonita e suja demais. Falei que a história do meu próximo livro se passava no Rio: um sujeito em busca do seu amor. Não falei que era um amor frustrado, que nunca vingaria, que o personagem só se fodia e que o nome dele era Lemuel Pitkin. O sujeito não entenderia. Ele achava que as histórias tinham mesmo que ter amor. O mundo anda sem amor nenhum, ele me disse. 

Foi nessa hora que a mulher do carrinho começou a gritar.

– Eu já estava aqui! – ela disse, olhando para nós.

Havia um sujeito com ela, baixo, usando boné, um desses caras que vão à academia seis ou sete vezes por semana

-Como assim? – o carioca perguntou pra ela.

-Eu já estava aqui, meu senhor – a mulher respondeu com a voz alterada, olhando pra mim. – não era isso que vocês estavam falando?!!

-Não, a gente falava de outra coisa – respondi.

-Outra coisa o caralho. Eu ouvi bem. Quer saber? não estou nem aí para as merdas que vocês falaram. Eu estava aqui e quero ver quem vem me tirar. Eu já estava aqui!!! – ela então gritou, desta vez para o supermercado inteiro ouvir.

E o supermercado realmente ouviu, por que todo mundo nessa hora olhou em nossa direção. 

O baixinho ficou parado, em uma pose que pensei ser de artes marciais, esperando a gente falar alguma coisa, mas nem eu nem o carioca falamos nada. o mundo anda sem amor, imaginei ele falar pra si. Não existe amor na Bahia, falei pra mim.

Então o casal passou as suas compras, e, mesmo sem ninguém falar nada, ela seguiu resmungando, como se tivesse sofrido alguma imensa injustiça, como se ainda precisasse se vingar. Depois seguiram para o carro. Antes de chegar lá, no entanto, pararam num jardim que havia no estacionamento. Era um jardim baqueado, as plantas estavam secas e quase mortas, amareladas, mas havia um pequeno chafariz a cuspir uma água rala e escurecida. Sentaram-se em volta do chafariz, ela meteu a mão na bolsa e puxou uma máquina fotográfica. Abraçaram-se e sorriram e tiraram a porra da foto. Pareciam satisfeitos. Talvez por que lá em cima o sol brilhasse. Talvez por que o fundo do carro estivesse cheio de compras. Ou, quem sabe ainda, por que eles, independente da fúria do mundo, seguiam a viver.

Na hora que tiraram a foto, lembro bem, ela juntou as duas mãos e fez um enorme coração.