O mar calmo do dia 20 de janeiro de 1536, permitiu a fácil navegação até o interior da baía, uma ancoragem tranquila marcou o fim de uma longa viagem que havia começado quatro meses antes em Portugal, era verão nos Ilhéus, já batizado de São Jorge, que recebia a primeira embarcação com colonos enviada pelo donatário da Capitania, Jorge Figueiredo Correia.
A exuberante colina tomada por uma densa floresta que dominava a entrada da baía, foi logo apontada como o ponto ideal para a construção das primeiras moradias e fortificações, a data deu o nome a colina, Outeiro de São Sebastião.
Nascido na cidade do Porto, experiente em navegações pelos Açores e África, o marujo Manoel Antônio Gonzaga, foi encarregado de derrubar as primeiras árvores, abrir clareira e construir moradias, no dia seguinte acompanhado por mais três marujos subiu o Outeiro com grande dificuldade, trabalho duro, aberto a primeira clareira puderam se deslumbrar com a beleza da paisagem descortinada para o Atlântico, quando se preparavam para descer foram tomados de surpresa ao descobrirem uma família de macacos no alto de uma árvore, Manoel o único que possuía uma arma, não teve dúvidas, apontou a velha besta carregada de pólvora e chumbo na direção dos bichos, notou que tratava-se de uma fêmea com filhote no colo e um macho forte pouco acima, com a mira feita em distância curta preparou para o disparo quando ouviu a macaca dizer em alto e bom som, “ou Inácio segura aqui Ignacio, vou ver se esse português é macho” descendo em balada carreira na direção ao português Manoel, assustado, tanto pela reação e mais ainda por ver bicho falar, fugiu em disparada desengonçado que escorregou na borda de um precipício e caiu de grande altura, falecendo imediatamente.
Em 1567, a Vila de São Jorge dos Ilhéus já se espalhava do Outeiro ao baixio plano e brejado que circundava o sopé do morro, da beira mar até a enseada de dentro, onde o cais improvisado aportavam raras caravelas que bordeavam a costa, ligando os pequenos povoados a Salvador e Lisboa.
Por essa época, travava-se no Rio de Janeiro, ainda um povoamento, uma ranzinza batalha entre os franceses liderados por Nicolau Durand de Villegagnon, contra os portugueses, por sua vez liderados por Estácio de Sá. Com dificuldades para vencer a batalha e expulsar os franceses da Guanabara, o governador Geral do Brasil, Mem de Sá, resolve formar uma tropa, e ajudar seu sobrinho, recrutou em Ilhéus um exército mambembe formado por índios, caboclos e uns poucos portugueses, partiram por terra para o Rio de Janeiro em outubro de 1567, entre os Ilheenses logo se destacou Felisberto Duvivier, filho de um francês deportado, com uma Índia nativa de Olivença, catequisada pelos Jesuítas, aceitou casar com o francês, tiveram vários filhos, o mais velho, Duvivier, nasceu no Outeiro de São Sebastião em maio de 1545, recebendo a reencarnação do espírito do finado Manuel, aquele dos macacos.
Duvivier ou Caniça como era mais conhecido, tinha perfeito domínio da arte de atirar flechas, contribuído com valentia para a vitória portuguesa no Rio, matando bom número de franceses na ponta da flecha, na última batalha da guerra porém, travada onde hoje é o bairro da Urca, caiu prisioneiro dos índios Tamoios, fiel aliado dos franceses, levado de canoa para a aldeia Cunhambebe em Angra dos Reis, foi submetido a regime de engorda e servido em noite festiva como prato principal, os Tamoios acreditavam que se comessem um bom adversário de guerra, adquiriam as qualidades dele. Muito tempo depois foi homenageado pelos cariocas e virou nome de rua em Copacabana.
Passado mais de um século e meio, nasce no Outeiro de São Sebastião, na Comarca de São Jorge dos Ilhéus, filho de D. Ana de Deus e seu Astolfo Herrera, ela descendente de escravos e ele de espanhóis o menino Malaquias Herrera, também encarnado pelo velho espírito que um dia esteve por aqui com Manuel dos Macacos e depois com o guerreiro Caniça.
Malaquias cresceu moleque por mangues, praias e beira de cais, até virar vaqueiro e cuidar de criação de gado, hora em algum pasto por perto, hora tocando boiada sertão a dentro ou no sentido contrário trazendo boiada dos sertões para embarcar em Ilhéus com destino a Salvador.
Certa feita, uma seca medonha acometeu a cidade e região, tempo assim nunca tinha sido visto, já pra mais de um ano sem chover, a bicharada foi morrendo toda, as plantas se envergando na sequidão e o povo fazendo rezas e promessas para São Jorge ou São Bastião acudir a situação, lá pelo final do ano de 1789, semana antes do natal, grande tempestade se formou, fechou o céu em nuvens escuras e assim ficou, passado os dias e nada de chover, o povo já não aguentava mais ver tanta agua no céu e nem uma gota na terra, foi aí que Malaquias, recebeu em um sonho uma ideia divina para resolver e a tal situação, assim como São Jorge, montou em um belo cavalo branco, municiou-se de umas três dúzias de varas de podão e partiu em galope disparado para as montanhas mais altas da região, chegando lá, amarrou vara em ponta de vara, fez um varão tão grande que alcançou seu intuito de futucar as nuvens e destravar a esperada tempestade, como viu no sonho, assim feito, tomou a cair do céu um grande aguaceiro, acompanhado por raios e trovões, tudo tão rápido que antes de baixar o varão, foi Malaquias apanhado por uma descarga de eletricidade celestial, raio tão forte e fulminante que de imediato transformou o cavaleiro, cavalo e varão em uma só escultura de carvão, tão impressionante e realista que Malaquias, agora elevado a herói, ainda que finado, ficou em forma de estátua em negro carvão, colocando em praça pública no alto do Outeiro de São Sebastião, ali o herói cavaleiro foi venerado por muitos anos, vezes até confundindo com o próprio São Jorge.
No ano que Ilhéus foi emancipado a cidade, 1881, nasceu em 28 de Junho, pelas mãos da famosa parteira Maria Vitalina, em sua casa no Outeiro de São Sebastião o menino, Epaminodas Nabuco Castro, também incorporado pelo antigo espírito que outrora já havia encarnado e desencarnado os personagens citados nessa história, que em si, é a própria história desse espírito.
Epaminodas já muito novo teve que cuidar por herança de uma grande fazenda de cacau, situada na região do Rio do Braço, deixada por seu pai que morreu em um naufrágio em viajem para Salvador, era arrimo da mãe viúva e também sustentava os irmãos mais novos, nunca casou ou conheceu as intimidades de uma mulher, frequentava com assiduidade as missas na igreja matriz de São Jorge, procissões, novenas, trezenas, batizados e casamentos, desde coroinha e agora já com 25 anos se dedicou ao cristianismo com fé e devoção de um padre, por essa época soube da notícia que o brasileiro, Santos Dumont havia realizado o primeiro voo de avião da história, em Paris, ficou estupefato, sentiu-se invadido por uma onda de criatividade e inteligência, a notícia havia despertado nele um Epaminodas que nem ele conhecia, passou os dias seguintes, em permanente estado de estupor, olhar variado ou fixado nos urubus, quando falava, o que era raro, dizia que o mais pesado que o ar poderia voar, ou, que as assas duras eram mais eficientes que as asas das aves, frágeis e cheias de penas, pediu a todos os marinheiros que por aqui passavam que trouxessem um jornal ou revista com uma foto do invento de Dumont, por fim, só no final de 1907, pode pela primeira vez ver a foto do 14 bis, impresso no periódico francês Le Petit Journal, que chegou aqui a bordo do Ita, vindo do Rio de Janeiro, tamanho foi o entusiasmo de Epaminondas que resolveu por conta própria fazer o seu próprio invento de avião, mandou cortar e plainar madeira de lei, bateu pregos, usou serrote, cortou de um lado e de outro, até aprontar um desengonçado e pesado aeroplano que batizou de Macuco dos Ilhéus 1, ave abundante das cercanias da cidade aquela época.
No dia 5 de janeiro de 1908 posicionou seu planador em um desfiladeiro no alto do Outeiro, virado para o mar, vestia um terno de linho branco e chapéu Panamá, sentou-se no cockpit e ordenou empurrarem, os assistentes da cena, testemunho oculares, prevendo o desastre que seria se negaram a fazer, não encontrou um cúmplice disposto, sem perder a fleuma foi em sua residência convocou dois empregados que há anos trabalhava pra ele e os obrigou a empurra-lo, uma vez solto no ar, o Macuco dos Ilhéus 1, fez menção de que voaria como uma gaivota por breves segundos para depois apontar o nariz em direção a terra e espatifa-se nas pedras basálticas que existiam onde hoje fica a estátua do Cristo. Desencarnava assim, pela quarta vez o espírito que vindo de Portugal no início do século dezesseis, insistia em sempre se reencarnar no mesmo local.
Soube recentemente por um amigo que tem bom acesso às notícias celestiais, que o dito espírito está atualmente encarnado em uma figura nascida no Outeiro, já com uns sessenta anos de nome Alain Delon, fissurado em gravar o ronco dos motores de carros da fórmula um, teria até gravado o som do motor da famosa McLaren-Honda de Ayrton Sena, dia desses me mostraram ele na rua.