“Defender que a solução para prevenir desastres como o que aconteceu no litoral norte de São Paulo é simplesmente retirar as pessoas das áreas de risco é falta de senso de realidade. Tirar para onde? Sem uma política de moradia, você retira a família e ela vai para outra área de risco.”
A avaliação foi feita à coluna por Guilherme Simões, secretário nacional de Políticas para Territórios Periféricos do Ministério das Cidades. Sua pasta é a responsável por ações de prevenção a desastres em comunidades vulneráveis, como aquelas que foram soterradas em São Sebastião (SP), matando dezenas de pessoas.
“Uma coisa é o alerta baseado na previsão do tempo, que precisa ser dado horas ou dias antes para que as pessoas possam sair de lá e se proteger. Isso funciona, apesar de não ser perfeito”, avalia. “Outra é remover as famílias em definitivo das áreas de risco como política de prevenção ao desastre, e não dar nenhuma alternativa de moradia como alguns defendem.”
Para ele, a solução tem que ser célere, mas digna, caso contrário você apenas empurra o problema com a barriga.
“Os poderes municipal, estadual e federal precisam garantir que essas remoções venham junto de uma política habitacional”, afirma. Segundo o secretário, há 40 mil áreas de risco no país – algumas piores do que outras e, por isso, prioritárias.
A avaliação vai ao encontro ao discurso do presidente Lula, nesta segunda (20), que pediu ao prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), que ajudasse a mapear locais seguros para a construção de moradias populares. “Desta vez, vai acontecer de verdade. Só arrumar terreno mais seguro”, disse. “Vocês vão voltar a ter um ninho de vocês para cuidar da família de vocês.”
Obras de contenção de encostas e de drenagem não geram voto – O problema é que quando chegam os meses mais secos, a questão some da prioridade política.
Guilherme Simões avalia que obras de contenção de encostas e de drenagem “não são feitas para serem inauguradas, não geram voto”. Mais do que isso: quando bem-feitas, evitam tragédias e, por isso, passam despercebidas. São as bombas desarmadas antes de explodirem. Por isso, não raro, são deixadas de lado nas prioridades.
Além das questões estruturais relacionadas à desigualdade social e dos impactos das mudanças climáticas, ele aponta a especulação imobiliária como parte da causa.
No litoral norte de São Paulo, a população tradicional foi vendendo seus terrenos para loteamentos ou para veranistas e ocupando áreas mais distantes. Além disso, migrantes vieram trabalhar para a parte rica das cidades, ocupando as mesmas áreas de risco.
“Os mais pobres foram sendo empurrados para morar mais longe, em locais sem infraestrutura e sob risco de desastres”, avalia. Para ele, é necessário rediscutir os planos diretores nos municípios, mudando essa lógica.
Simões aponta que, em nossa história recente, tragédias como essa mudaram um pouco a lógica do esquecimento e empurraram governos a implementarem algumas políticas públicas para preveni-los. Foi assim, segundo ele, com os centros de monitoramento criados após deslizamentos de terra matarem mais de 900 pessoas em Petrópolis (RJ) em 2011.
Mas, para isso, é necessário aumentar o orçamento público, pois havia apenas R$ 2 milhões no orçamento para prevenção de desastres.
E de urbanização. Simões diz que os R$ 500 milhões que estavam destinados a obras desse tipo com foco em territórios periféricos vão ser priorizados para áreas de risco. O que é pouco dado o tamanho do desafio.