O materialismo histórico do velho Marx nos ensina que não devemos ficar na superfície dos problemas que, muitas vezes, têm a aparência de um problema moral ou religioso, mas buscar as relações econômicas que a eles correspondem. No caso da crise do PT que basicamente tem haver com a promiscuidade com grandes capitalistas no financiamento das campanhas eleitorais, muitos companheiros e companheiras tendem a ver o problema como um caso de “fraqueza moral”. Na verdade, é preciso ir um pouco mais fundo no problema e reconhecer que ele está presente em cada diretório do Partido e não é possível corrigir os rumos do PT sem enfrentá-lo.
O PT surgiu como um partido que se diferenciava dos partidos tradicionais também em sua forma de se manter. Em seu primeiro período, nos anos 1980, o PT era um partido inspirado nos modelos de autogestão, tínhamos os companheiros que faziam botons e estrelinhas, outros produziam camisetas e boinas e tudo era comprado pela militância, nada era de graça. Além disso, havia a contribuição partidária dos militantes e dos que ocupavam cargos eletivos ou de confiança.
Com o crescimento do PT nos anos 1990 a arrecadação do partido aumentou sensivelmente e o mesmo se burocratizou na mesma velocidade, com o poder econômico se deslocando para os que ocupavam cargos no legislativo e executivo. Isso possibilitou a constituição de uma burocracia interna, fundamental para o funcionamento do partido com escritórios e funcionários profissionalizados. É inegável que o PT não se tornaria o maior partido de esquerda na América Latina sem essa estrutura. Mas é preciso reconhecer os efeitos danosos do poder da burocracia profissional em relação ao militante comum. Hoje, por exemplo, para você ser secretário de organização em qualquer diretório do PT precisa ter acesso a computador com conexão de internet e algumas horas semanais disponíveis para operar o sistema de filiados, além, é claro, dos conhecimentos para poder fazê-lo, o que traz uma clara vantagem para os quadros profissionalizados. Não é à toa que dos anos 90 para cá a maioria dos dirigentes do partido são ligados a assessorias parlamentares ou de cargos de confiança do poder executivo.
A profissionalização tornou também o PT mais “caro” e este custo alimenta, por sua vez, a maior dependência em relação aos mandatos, daí que disputar eleições se tornou a prioridade número um do pardito. A partir do primeiro mandato de Lula na presidência, porém, o partido sofre o problema da “inflação” com a adesão dos “neocompanheiros” por assim dizer. Alguns, muito bem-vindos, outros “delcídios”. Essa inflação mudou novamente a cultura política do partido, o tornando cada mais parecido com um partido tradicional: farta distribuição de material de propaganda; pagamento de mão de obra para fazer campanha, etc. Com eles veio também o hábito de não contribuir financeiramente com o PT, algo que, talvez já cultivavam em suas siglas de origem.
Esse novo ethos no meio petista foi se disseminando e o distanciando das velhas práticas de autofinanciamento. Quase ninguém se questionava sobre isso, afinal, os recursos para as campanhas nunca foram tão abundantes e não nos dávamos ao trabalho de saber de onde provinham. Mas nossa tesouraria nacional sabia que a arrecadação interna diminuía na mesma proporção em que nos tornávamos mais dependentes de financiadores externos e suas motivações inconfessáveis. A direita soube tirar proveito disso e todos conhecem o desfecho da história: nosso tesoureiro está preso sem nunca ter desviado um tostão do PT.
Hoje, muitos dos “neocompanheiros” já deram adeus a nossa sigla, mas persistimos nos novos hábitos adquiridos. Uma conta simples, estima-se que o PT perdeu nos últimos anos 50 mil cargos de confiança entre governo federal e 350 prefeituras. Se cada um colaborasse em média com 200 reais, isso daria 10 milhões de reais ao mês, somados às contribuições dos diretórios municipais (mais de mil no Brasil) e dos parlamentares, chegaríamos facilmente à bagatela de 20 milhões de reais ao mês ou 240 milhões de reais ao ano sem contar com a participação do fundo partidário e das contribuições estatutárias dos filiados padrão. Bom, argumentarão alguns, isso só cobre 10% dos 2 bilhões de uma campanha eleitoral de nível nacional e já não temos mais os 50 mil cargos… Tudo bem, primeiro nunca enfrentamos a sério o financiamento público de campanha. Segundo, e está é a questão principal: nunca arrecadamos nem a metade desses recursos. Temos inclusive parlamentares, governadores e prefeitos que nunca cumpriram suas obrigações partidárias contando com a leniência de generosos acordos no SACE (Setor de Arrecadação de Contribuição Estatutária). Como exemplo ilustrativo, na preparação do VI Congresso do PT, a Bahia ocupa o segundo lugar em candidaturas indeferidas por falta de contribuição financeira o que inclui deputados estaduais que informam quantias inferiores ao que recebem e Secretários de governo que se negam a contribuir.
O problema, portanto, não é culpar “os companheiros que erraram”, errados estamos todos. Os que não contribuem com o partido e os que não cobram as contribuições. Em plena crise de falta de recursos em que vive o PT, nos damos ao luxo de generosos descontos de até 70% das dívidas no SACE, o que estimula o não pagamento. Mesmo assim, os grandes devedores não pagam.
É preciso abandonar uma atitude hipócrita e olhar o problema de frente: ou o PT se financia com as contribuições de seus filiados ou sempre vamos estar reféns de contribuições, declaradas ou não, de fontes nem sempre confiáveis. Se optarmos pela primeira alternativa, isso afetará toda estratégia de orientação política do PT. Por exemplo, priorizar os candidatos a cargos eletivos que contribuem com o PT. Se um ocupante de cargo de confiança não contribui, verificar a possibilidade de substituí-lo por outro. A simples ameaça de tal medida já produziria efeitos práticos imediatos. É claro que as finanças do partido não devem ser o único critério norteador, porém, tampouco podem ser encaradas como uma questão “moral”, ela é parte da consciência política, ninguém pode achar normal sonegar o partido ou imaginar que o PT é “rico” e não aderir ao SACE. Esse é um debate que não pode ficar de fora do nosso PED de 2017.