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´SE NÃO QUISER TRABALHAR VAI TER QUE PEDIR DEMISSÃO´, AVISA DIRETOR DO REGIONAL

JORNAL BAHIA ONLINE

Cláudio Moura Costa. Crédito: JBO/Maurício Maron.
Cláudio Moura Costa. Crédito: JBO/Maurício Maron.

Todas as vezes que é convocado para uma reunião em Salvador, o novo diretor do Hospital Geral Luiz Viana Filho, em Ilhéus, Cláudio Moura Costa reúne a sua diretoria e avisa: pode ser hoje! Mas, até o momento, após todas os encontros que manteve com o secretário estadual da Saúde, Fábio Vilas-Boas, o retorno sempre feito pelo whatsapp à sua equipe permanece o mesmo: “continuamos empregados”.

De todos os cargos do governo da Bahia disponíveis na cidade, Cláudio, talvez, ocupe, o mais nevrálgico deles. O hospital, que atende a uma população estimada em seis milhões de habitantes, é constantemente alvo de críticas, principalmente por falta de médicos para o atendimento de emergência. É, talvez, por este motivo, que Cláudio esteja constantemente, avisando à equipe que trabalha com ele na administração do hospital que a passagem dos diretores pelos corredores pode ser mais rápida do que se imagina. “Amanhã pode dar tudo errado. Mas pelo menos até agora tenho tido respaldo do governo”, assegura.

Ferida exposta – Cláudio decidiu enfrentar os próprios colegas. Pior do que isso: “colocou” a cara a tapa ao expor o que talvez seja a maior “ferida” do hospital: a ausência de muitos deles nos plantões. Com a precisão de um bisturi nas mãos, o cirurgião, formado em 1983, pela Universidade Federal da Bahia, e especialista em Medicina Intensiva, resolveu mexer num “vespeiro” ao cortar salários de quem não trabalha e exigir que todos – isso, todos – cumpram rigorosamente o que assinaram no contrato que estabeleceram com o estado: dar plantão e atender a população de forma correta.

Cláudio Moura Costa não é muito afeito ao contato com a imprensa. Desde que assumiu o cargo de diretor evita falar publicamente sobre a crise. Afirma, sempre, que o problema é interno enquanto os seus adversários o expõem publicamente, com matérias na televisão. No entanto, três meses depois de sua posse – e inúmeras insistências do Jornal Bahia Online -, Cláudio Moura Costa resolveu falar. Fez algumas exigências como, por exemplo, conceder a entrevista ao editor Maurício Maron, à noite, em sua residência, somente após o expediente. “Lá (no hospital) é lugar de trabalho”, justificou.

Fantasma – Nesta entrevista exclusiva concedida ao JBO, o diretor do hospital fala de tudo. De médico que teve o salário 100 por cento cortado no mês passado, da estratégia que vem sendo usado pelos profissionais para estabelecer a crise no serviço de emergência e, até, de médico que já estaria residindo em outro estado, a milhares de quilômetros daqui, que continuava a receber salário do estado enquanto a população sofria na recepção do maior hospital público da região.

“Tenho dormido muito pouco, quase nada, não tenho paz um só minuto”, admite o diretor. “Os últimos 15 dias da minha vida foram um inferno”, revela. Este período a que se refere, das últimas duas semanas, é quando foram, segundo o diretor, intensificadas as ações dos “médicos rebeldes”. Matérias na porta do hospital expondo as naturais fragilidades da instituição hospitalar e uma série de atestados médicos justificando a ausência dos mesmos nos leitos do hospital. Não bastasse, o diretor acusa o grupo de trabalhar pelo convencimento de colegas de Itabuna – que é um respeitado pólo de medicina na região – a não aceitarem o convite da direção para substituí-los.

Cumprindo ordens – Cláudio garante: vai resistir, nem que tenha, em algum momento, que dar uma outra notícia aos colegas de direção, pelo whatsapp. Por enquanto, o diretor garante estar respaldado.  Teria recebido “carta branca” tanto do secretário de saúde do estado, Fábio Vilas Boas, quanto do próprio governador, Rui Costa. “Não existe transigência com o que não é correto. Os contratos têm que ser cumpridos. Os que não estiverem satisfeitos que se demitam”, sentencia. Ele ressalta que, apesar das insatisfações expostas, nenhum, absolutamente nenhum profissional, até agora, pediu as contas. “Então vai ter que trabalhar direito”, completa.

Teve quem achasse, inclusive, que, sem trabalhar o mês inteiro, iria receber. “Mandei cortar”. Outro colega que já está morando em Gramado, no Rio Grande do Sul, recebeu dois meses de salário como se estivesse trabalhando no hospital. Descoberto, pediu demissão.

O Hospital Geral Luiz Viana Filho teve um orçamento, ano passado, de 6 milhões de reais para utilizar em compras e 1,3 milhões para uso em atividades de serviço. O seu quadro é formado por 670 trabalhadores, 93 profissionais médicos, possui 105 leitos, oito leitos de UTI, e atende, por dia, em média 250 pacientes. Sua estrutura é antiga e a construção do novo setor de emergência, está parada desde novembro do ano passado. Hoje, 135 por cento dos leitos estão ocupados. Sabe o que isso significa dizer? Que além de todos os leitos estruturados, há pacientes adaptados em macas nos corredores do hospital. Não bastassem os problemas estruturais, o cenário de obra inacabada não ajuda para se estabelecer a normalidade que o hospital, neste momento necessita.

Metade dos profissionais – De acordo com os contratos assinados entre médicos, estado e, em alguns casos, uma instituição terceirizada que contrata e disponibiliza equipe técnica para o hospital, a cada plantão devem estar disponíveis para a população dois clínicos, dois pediatras, dois cirurgiões, dois ortopedistas e um anestesista. Mas Cláudio garante que há um “acordo de cavalheiros” que permite que apenas metade da equipe esteja efetivamente de plantão. “Os demais, certamente, estão atendendo em outros hospitais”, denuncia. De fato, é comum a população se queixar da ausência deles no hospital. Médicos que se insurgiram contra a cobrança do diretor alegam que de fato há um acordo. E não é entre eles. Seria antigo e do conhecimento de quem passou pela direção. “O salário é baixo, não dá para ter apenas esse emprego”, alegam. “Se tinha algum acordo com direção, a atual direção desconhece e desaprova”, rebate Cláudio Moura Costa.

Para Cláudio, se os médicos aceitaram as condições contratuais, estas devem cumpridas. Para provar que tem pleno conhecimento da dispraridade que existe entre quem trabalha e quem não trabalha, Cláudio apresenta uma estatística estarrecedora. O hospital tem mais de 10 anestesistas. No ano passado, das 950 anestesias feitas para cirurgias de emergência, um médico – apenas um – foi o responsável por 547 delas.

Entidades – A “quebra-de-braço” já deixou as quatro paredes do hospital e, hoje, está oficializada em denúncias feitas junto ao Conselho Regional de Medicina e ao Sindicato dos Médicos do Estado da Bahia. O Ministério Público Estadual da Saúde também já abriu procedimento investigatório e, em breve, o procurador Pedro Nogueira, vai ouvir Moura Costa. “Vou entregar tudo”, disse ao JBO.

O governo da Bahia já realizou uma auditoria que apontou irregularidades no cumprimento de carga horária. Cláudio Moura Costa já solicitou outra, que deve ser iniciada nos próximos dias, para auditar plantões, contas e pagamentos. Um fato raro, agora, pode ser visto na movimentada recepção do hospital: o diretor mandou afixar o nome dos profissionais médicos no plantão para a população cobrar a presença e o atendimento. Para um médico que preferiu não se identificar, a direção tenta jogar a população contra eles e chama o diretor de “autoritário”. “A população sabe quem tem razão”, rebate Moura Costa.

Neste sábado, apenas dois médicos trabalhavam no setor de Emergência do Hospital. Os ausentes ou justificaram com mais atestados ou, em alguns casos, nem isso. “A médica disse que não ia trabalhar e, pronto, não veio”, revelou um funcionário da recepção do hospital. “A situação é grave”, resumiu.