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SOBRE UM MUNDO EM QUE ESTOU INVISÍVEL

NATALIA SANTOS

Natalia é ilheense, e estudante do curso de História da Uesc.
Natalia é ilheense, e estudante do curso de História da Uesc.

Desde que me entendo por gente, sou gordinha, sempre “a cheinha”, “a fortinha”,”a barrigudinha”  e outros apelidos que usam para diminuir a “ofensa” que seria chamar alguém de gorda.

Sou usada para localização, tbm. – Ali, do lado da gordinha.

Para identificação: Natália , aquela gordinha. E etc.

Desde pequena também noto que nada me representa, o mundo parece que não foi feito para mim.

Andando na rua percebo que os manequins, normalmente brancos e magros sorriem querendo mostrar que aquele é o tamanho padrão de nossa sociedade, mas eu olho ao redor e vejo pessoas de diferentes tamanhos, o mundo é diversificado!

Um dia passando pela rua, amei um vestido que vi no manequim e fiquei encantada, verifiquei meu cartão rapidinho e notei que tinha limite, voltei na loja e perguntei:

-Oi moça, eu queria ver esse vestido.

Ela perguntou: é para presente?

Eu disse: na verdade é para mim mesma.

Então ouvi com tristeza o que sabia que seriam suas próximas palavras:

-Não temos o seu tamanho.

Nada do que eu não ouvi antes, mas ainda assim, magoa. Magoa ainda mais quando conto isso e as pessoas sugerem uma dieta, então pera. Como assim? Eu sou uma pessoa saudável, meus exames estão bons e eu não me sinto mal esteticamente, estou feliz comigo mesma, mas tenho que emagrecer para entrar em um vestido porque eles nunca tem o meu tamanho, poxa não é justo.

Deste modo olho outras coisas, olho as cadeiras de minha universidade que também me pedem uma dieta, afinal eu não estou no tamanho certo para elas e tenho que me espremer, tanto para entrar quanto para sair delas. Olho para as escadas do ônibus que me obrigam a abrir muito as pernas por causa da altura, eu sou pequena além de gorda e caí algumas vezes.

A cadeira do ônibus é pequena também, e ás vezes não dá para sentar de maneira confortável, porque a pessoa que senta do meu lado insiste em demonstrar o quanto aquele lugar seria a última opção para ela.

Tem também as visitas ao médico, que desde o momento que eu entro vejo um franzido na testa e quando saio um sorriso irônico. Eu vou ao médico com problema na respiração, ou na ginecologista, e eles sempre, sempre me mostram a guia do nutricionista. Ainda se eu tiver qualquer problema de saúde, todos vão associar automaticamente ao meu peso e sofro com a possibilidade de ser culpada por algo que estou sentindo.

Queria casar, quer dizer, quero. E comprei , como toda aspirante a noiva uma revista que demonstram vestidos e penteados. Revista cara, doeu no bolso. Quando cheguei em casa, percebi que todos os vestidos eram para magras e todos os penteados para cabelos lisos. Fiquei arrasada, não era possível que nem mesmo em uma revista de noivas iam pensar que a mulher gorda e preta também casa e também quer festa, ué. Tive vontade de voltar na loja e pedir meu dinheiro de volta.

Existem tantas outras coisas, mas para início de conversa, é isso o que mais me incomoda. Então parei um pouco para refletir, eu que estou errada ou as coisas ao meu redor estão trocadas?

Por uma semana passei pela porta da loja e notei que o vestido não saía de lá, procurei por ele na internet e percebi que também não tinha meu tamanho e desisti do vestido.

Entrei em outra loja no dia seguinte, mas estava pessimista. Queria um bermuda dessa vez. Falei meu número e percebi que a moça entrou na despensa, se espremeu em estantes, subiu em um banco e pegou no cantinho da prateleira um saco com umas bermudas dobradas. Porque as bermudas que representam uma maioria, não estavam expostas em manequins? Pensei.

Descobri o porquê em seguida: As bermudas eram fora de moda, pareciam inacabadas e feitas sem o menor capricho, além é claro de serem mais caras – porque gastam mais pano- a moça falou.

Estava chateada, porque existem esses estériotipos?

Então voltei a minha infância e lembrei de mim com uma Barbie na mão sorrindo ou assistindo um desenho da Branca de Neve.

Poxa, as princesas que tinham finais felizes era brancas, de olhos claros. E eu me lembro de querer ser como elas, associar elas ao bem, ao bom, ao puro. Eu não sabia que nunca poderia usar vestidinho rodado porque “me engorda” e eu tenho que disfarçar, ou que não poderia soltar meu cabelo ao vento, porque ele não balançaria, ninguém me avisou. Só me deram uma boneca e um desenho animado e disseram que aquelas moças magras e brancas iam ser felizes.

Eu vou ser feliz?

Os manequins reforçam estereótipos que desenhos criaram, a mídia criou e crianças negras que desejam ser como a barbie vivem um pesadelo que nós não temos como medir. Eu sei. Hoje sei.

Eu não sou branca, sou preta! Eu não sou magra, sou gorda! Eu existo, faço parte dessa sociedade, tenho VOZ ! Mereço ter meus gritos ouvidos e pedidos atendidos!

Diga não a gordofobia que aflige e deprecia crianças nas escolas, diga não à gordofobia que aflige as pessoas nessa nossa sociedade!

Diga não ao racismo que aflige nossos irmãxs, que nos impede de manter nossos cabelo armados e livres, que nos prende !

Vamos á luta! Levante-se!