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TEXTO EJACULAÇÃO OU O “SE” DO CINEMA

DI ROCHA
Fabio Di Rocha é artista multiplataforma e pesquisador das artes visuais e sonoras. Tem investido na expansão de um CINEMA VIVO, uma mistura de tudo que foi experimentado em seu próprio corpo, com notas e registros documentais e um pouco de ficção com uso de novas tecnologias. Tem investido em poéticas tecnológicas interativas e compartilhadas, no intermezzo entre a cultura digital e o espírito dos tempos. Costuma vagar pelas ruas capturando imagens do cotidiano, e sempre que é questionado sobre a obra de arte, ele responde que ela é feita para que ninguém ignore os gritos de dor do artista...Seus restos mortais serão encaminhados para a Ilha de Tinharé, de onde ele saiu e ficou....
Fabio Di Rocha é artista multiplataforma e pesquisador das artes visuais e sonoras. Tem investido na expansão de um CINEMA VIVO, uma mistura de tudo que foi experimentado em seu próprio corpo, com notas e registros documentais e um pouco de ficção com uso de novas tecnologias. Tem investido em poéticas tecnológicas interativas e compartilhadas, no intermezzo entre a cultura digital e o espírito dos tempos. Costuma vagar pelas ruas capturando imagens do cotidiano, e sempre que é questionado sobre a obra de arte, ele responde que ela é feita para que ninguém ignore os gritos de dor do artista…Seus restos mortais serão encaminhados para a Ilha de Tinharé, de onde ele saiu e ficou….

Se o cinema não tivesse morrido, faria da geografia da Cidade do Salvador, da falha geológica que marca o seu cenário, um elemento essencial da narrativa que estaria em vias de nascer. Trataria da cidade escaldada, apodrecida e abandonada como personagem. Reforçaria essa divisão, a bipolaridade – tão em voga – com muros e barricadas que separam as classes sociais, e as inúmeras dicotomias históricas: velho x novo; vícios  x virtudes, baixo x alto; etc.  Nessa divisão, alguns portais que controlam o fluxo de pessoas, com um forte esquema de segurança pulariam do ecrán. O que estaria em jogo, se o cinema não tivesse sucumbido a um esquema fundido de competições e jogatinas de ego, seriam as tentativas de fugir do controle.

Usaria a primeira (terceira) pessoa – Cartografemas –  para a narratologia, que deveria refletir o desejo de um artista-malandro de burlar os aparelhos de captura. No acaso de seu curso: lembranças falidas, os retornos tão eternos, suas descrições afetivas, os delirious (estou farto de falsos esquisitos!), as reflexões dolorosas e muitas superações ad infinitum, o esquadrinhamento social, os bons e maus encontros. O filme buscaria, se não tivesse um bando de escroto cortando os fluxos, apreender e apresentar estas oscilações que ameaçam a todo o momento a estabilidade dos lugares fixos, os procedimentos disciplinares, a clarividência do lugar do poder e as amarras das cidades-mundo.

O diagrama seria desenhado da seguinte maneira: um conjunto de relações de força, com a abertura para novos operadores sociais; a resistência e fixidez, os muros aparentemente invisíveis e tanto pixo. Esse personagem-vida seria uma força afirmativa, seu objetivo úno-múltiplo-último: exercer uma intensa ação sobre as forças que tendem para um outro tipo de funcionamento reativo desse organism social abjeto que está em curso, com suas oposições simplerrímas. Haveria uma ambição na vontade de cinemar, e que habitaria essas forças que fogem à forma-controle, justo as que conservam uma relação singular com o fora, com a exterioridade, essas multidões de “nós” mesmos escapando o tempo inteiro a tudo que é sedentário.

Encontrar-se-ia transversalidade do cinema com a política, baseada na resistência e na reinvenção da vida: fazer fugir, criar um estilo único para a produção em cinema contemporâneo, um modo singular de experimentar as aproximações e distanciamentos entre a memória individual e coletiva, o mecânica e a maquínica, o corpo e o espírito dos tempos, de modo a fazer desse campo social histórico-delirante uma experiência de construção de realidades intensivas; onde a produção real não seria esmagada por uma sociedade tão cretina – Não existe produção abstrata! – mas potencializada por práticas sociais e desejantes totalmente outras.

É essa onda que moveria, uma espécie de cinema-fio elétrico, se não tivéssemos vivendo a derrocada da civilização, o colapso da modernização, a anatomia da destrutividade humana; a falência do corpo social, formado por estratos imóveis e enjoativos, que são, ao mesmo tempo, dispensáveis e decrépitos. Seria uma alternativa mesmo ao que estamos presenciando de aprisionamentos e catástrofes existenciais; novos planos; cenas; sequências inteiras emergindo de modo singular; uma dissociação entre o que foi o cinema no final de século e o que está se tornando, mudra sem sair do lugar.

Se esse cinema acontecesse (Estou pensando no “Fim da História”!), pode ter certeza que seria uma prática de resistência artística, revide contra todas as formas de submissão, embrutecimento, dureza. Seria uma espécie de CINEMA VIVO, um grito, um brado contra os micro e macrofascismos; a reivindicação de uma nova economia afetiva, fundada na alegria, mostrando a cada foco, já não um final feliz alcançado por um heroizinho recém-inventado na geopolítica da fome, mas um descambar e alcançar urgentemente o fim dos territórios fixos. O problema concreto que se colocaria em termos seria o de como se dá a construção e a destruição dessas cartografias afetivas.

Através da análise da experiência do delírio e das configurações subjetivas na atualidade, colocaria em cena algumas questões contemporâneas: o enfraquecimento da dimensão estrutural, as pulsações protopolíticas; a interrupção e coagulação das fendas e fissuras. A característica mais elementar seria, caso não fosse o cinema um lugar de bestializados – com  raríssimas exceções – propor um cinema-tanque, atento mais para uma geografia do que para uma história, e que acarretaria na exigência de considerá-lo não como uma histórieta linear e progressiva, mas privilegiando a constituição de espaços quaisquer, de tipos estranhos, de “Experimentos Vadios”; e ainda que a base do plano de consistência fosse os espaços heterogêneos e antagônicos,  seria uma espécie de dualidade como barramento, e o ultrapassar – Terceira via de montage – do ron ron; expressar um efetivo projétil de libertação dos encodificados corpos da criação viva em arte, e de uma outra (im)possível produção de subjetiva-interativa.

O tema seria o da condição humana em conflito; um pathos-existência ad nauseam, e simultaneidade inconciliável com um procedimento flutuatio animi, seria o da solidão povoada e do modo como o homem contemporâneo se viram; o modo como experimentam, de maneira aguda, a problemática da perda de certezas na sociedade esfacelada do controle Se fosse um filme, seria um manual prático de política, na medida em que recobra ria uma certa coragem de viver (tanto de quem fez, quanto de quem visse), o gosto pela vida; além de propor certas questões cujo cerne seria o esforço de cada um para escapar às pressões e condicionamentos…como quem diz: – A liberdade é indivisível e é uma conquista, pois implica a abertura e a disposição para o auto-superar-se, o tornar-se outro…como quem diz: – Ou humano se liberta integralmente da amarra histórica da conservação da memória, ou a sua liberdade não passará de um bairro,  uma pequena farsa; muito embora seja pura tragédia (A natureza não é boa nem má!).

Ora, é justamente esse impossível cinematonômico que exporia as bordas, os anormais, os nóias, as prostitutas, os bandidos como verdadeiro processo de demolição, aquilo que faz da impossibilidade, do inaceitável, da miséria, da ignorância, a condição de quixa como principal element da política. Tratar-se-ia de indicar como o “se”  – fudeu – pode subverter e implodir alguns territórios tradicionais, coluna frágil para dar conta da multiplicidade, anunciando superficiais transformações no modo de produção da existência coletiva-individual – lembro de um aliado que diz que o indivíduo é serializado –  as quais multiplicam não apenas os atores sociais envolvidos na luta de resistência, mas também as possíveis estratégias e lugares de intervenção criativa.

Toda a questão do filme seria trazer novos operadores cinemáticos para a invenção do cotidiano; toda uma nova maneira de pensar, e experimentar a vida-cinema; se utilizar do potencial político para revidar fugas dessa situação atual, resistir, enfrentar os poderes repressivos, os aparelhos de morte, incessantemente; é toda uma questão da analítica das formações do desejo no campo social em partículas; e que diz respeito ao modo como cruzamos o nível das diferenças sociais mais amplas, diriam por aí.

O evento CINEMA criaria uma nova atmosfera com a cidade decadente, escaldada, que, por sua vez, produziria uma nova onda de arrancar das costas do idiotismo essa insistente caricature de povo, quebrando com tudo que é do domínio angústia, mas também colocando como embate tudo que é do campo da ruptura, da vontade de amar e de criar, e que deveria se encaixar de algum jeito nos registros dominantes; e isso já seria por si só uma tentativa de evidenciar processos de singularização que estão, aqui e alhures, sendo decepados por um número cada vez maior de canalhas de águas envenenadas.

Seria uma questão de afirmação da vida, da arte, da produção, não fosse um terreno de partícula apassivadora, um lugarejo de indeterminação do sujeito…E essa tal busca de superação de um futuro que nunca chega…concretamente…tornar-se ia um Plano de consistência em trajeto, que é o fora de todas as multiplicidades…Estaríamos mesmo por fora!…Para concluir, deixa-se Virgínia Woolf dar voz a essa Nova Linha que nunca chegará: “(…)E as solas de meus pés estão sensíveis como se fios elétricos se tocassem e se separassem nelas. Vejo nitidamente cada talo de grama. Contudo, o sangue lateja de tal maneira na minha fronte, atrás de meus olhos, que tudo dança – a rede de tênis, a relva; os rostos de vocês esvoaçam como borboletas; as árvores parecem saltar para cima e para baixo. Nada se fixa, nada se acomoda neste universo. Tudo ondula, dança; tudo é rapidez e triunfo”…Estou farto do cineminha sensório-motor…cinema do: “Libero sua verba se você me mostrar o comprovante….”. O que mais cinema abstrato? O que mais política real?…Por aqui…fazem-se unhas….