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ÚLTIMO ROUND

RODRIGO MELO

Rodrigo melo é Catitu, pai de Amaralina, filho de Ilhéus, escritor e fera no pingue-pongue.
Rodrigo melo é Catitu, pai de Amaralina, filho de Ilhéus, escritor e fera no pingue-pongue.

O meio-médio ligeiro desce do ringue apoiando-se nos ombros do seu treinador. Ao redor, o ginásio lotado, o corredor e as centenas de pessoas com os braços levantados, gritando e sorrindo: um turbilhão de sons que ecoa e ganha as ruas próximas do ginásio. Mesmo cansado, seus passos têm firmeza, os olhos brilham. Os cabelos, grandes e crespos, tem um formato engraçado, a herança do protetor que acabara de usar.

– Viu que a esquerda entrou? – diz o treinador quando chegam no vestiário.

O meio-médio ligeiro não o escuta. Mesmo no córner, na hora em que a luta acontece, não consegue escuta-lo. Tira as ataduras das mãos com uma tesoura, em seguida se livra do short, da camiseta, das botas, e entra no chuveiro. O relógio dependurado na parede marca quatro e dezesseis da tarde. O sol entra por uma fresta no basculante. A água fria, em contato com a sua pele, traz-lhe uma sensação agradável, apaziguadora. Fecha os olhos enquanto a água cai, cruza os braços sobre o peito e respira forte. Mesmo dali, escuta o barulho: os gritos, o ginásio a balançar. Eles precisam de alguém. Lembra de alguns momentos da sua luta, de um golpe que entrou, do outro que recebeu no nariz. O queixo ainda dói. Acima do supercílio direito, na frente do espelho, notou um corte e um pequeno inchaço. Era curioso como alguns combates o deixavam com a impressão de que não ganhara apenas com os punhos, mas que havia algo de inexplicável por trás. Não podia provar, e talvez até fosse uma bobagem, mas quando batia no saco, sozinho, na academia, às vezes sentia que era assim.

Desliga o chuveiro e senta-se num banco, a toalha enrolada na cintura, os braços inchados arqueados sobre os joelhos.

– Disse que ele não aguentava – o treinador fala, esticando e massageando seus braços. – Se escutasse antes, a diferença seria maior.

Não responde e, quando a massagem acaba, estira as pernas sobre o banco e deita-se.

Imaginara aquele dia dezenas de vezes. Pensa que nada é como se calcula. Agora, a vida parece acontecer numa outra velocidade, mais lenta, como se tudo fosse um sonho e ele não estivesse completamente ali: seus olhos aos poucos se fecham e ele pensa na voz rouca de uma atriz, na cor que o piso do ringue tem, lembra ainda de sua mãe, em casa, certamente de frente para a TV. Seria bom ligar e dizer que está bem. Inclina o corpo para se levantar, mas a quantidade de pessoas circulando é grande e ele desiste. Fecha os olhos outra vez e calcula que ligará depois que descansar.

 – Acorda, campeão, ta na hora!

Abre os olhos e se levanta, os braços mais leves, desinchados. Por cima de uma mesa, vê o conjunto limpo de short e camiseta, ambos vermelhos e com listras brancas. Lava o rosto. Olha-se novamente no espelho. Por um instante, gostaria de saber se o seu rosto é o rosto de um vencedor. Talvez seja. Talvez esteja apenas um pouco velho para a idade que tem.

 – Essa é sua! – diz o treinador, dando-lhe tapas nos braços e nos ombros. – Acaba com o filho da puta! E solta a porra do braço, caralho, solta a esquerda que ele não vai aguentar!

Depois de se aquecer por alguns minutos, o meio-médio ligeiro está pronto para lutar outra vez. São cinco e vinte e sete de uma tarde quente de domingo. No ginásio, as arquibancadas vibram. Pensa que o queixo ainda dói e que não ligou para a mãe. “Deus, me ajude!”  O barulho é imenso e não pára de crescer. Os auto-falantes gritam o seu nome. Os olhos brilham. Saltitando de um lado para outro, ele ganha o corredor, na dúvida entre tentar cantar ou não o hino nacional.

*Conto presente no livro “O Sangue que Corre  nas Veias”, que reúne alguns escritos do autor, lançado em 2012 pela editora Mondrongo.