Integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) reagiram ontem à aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara de um projeto que dá ao Legislativo a palavra final sobre decisões da Corte. Os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello interpretaram a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2011 como uma retaliação de parlamentares a recentes decisões do STF. Ambos, porém, não acreditam que o Congresso aprovará a PEC. O projeto, de autoria do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), foi apreciado ontem pela CCJ, em votação que teve a participação dos deputados-réus João Paulo Cunha (PT-SP) e José Genoino (PT-SP), condenados pelo STF no julgamento do mensalão.
A matéria ainda será apreciada por uma comissão especial antes de seguir para o plenário da Câmara, e, depois, para o Senado. Marco Aurélio relacionou a decisão da CCJ ao julgamento do mensalão. “Não imagino esta virada de mesa que pretendem, muito menos em cima de um julgamento como foi a da Ação Penal 470. Não posso bater palmas para os membros da comissão”, comentou. O ministro observou que o STF tem um histórico de decisões “contramajoritárias”, o que não é o caso do mensalão, cujo resultado foi “aplaudido” pela sociedade.
Na avaliação de Marco Aurélio, a PEC atinge a cláusula pétrea (artigo imutável da Constituição) que estabelece a separação dos Poderes. “Não creio que para a sociedade brasileira, para o almejado avanço cultural, essa submissão dos atos do Supremo seja boa. Ao contrário, é perniciosa”, criticou.
A PEC 33 prevê que todas as súmulas vinculantes editadas pelo STF e as declarações de inconstitucionalidade de emendas sejam submetidas à aprovação da Câmara e do Senado. Caso os legisladores derrubem a decisão do Supremo, há a possibilidade de o tema ser decidido em um plebiscito. A proposta estabelece ainda a necessidade de nove votos, no mínimo, para que uma lei seja julgada inconstitucional. Atualmente, seis votos são precisos.
Para Gilmar Mendes, a PEC 33 “evoca coisas tenebrosas”. Ele citou como exemplo um artigo da Constituição de 1937 que dava ao presidente da República o poder de cassar decisões da Suprema Corte e de confirmar leis declaradas inconstitucionais. “Acredito que não é um bom precedente. A Câmara vai acabar rejeitando isso”, opinou.
Gilmar Mendes interpreta a aprovação da PEC pela CCJ da Câmara como uma reação contra decisões recentes do Supremo. “Em geral, essas reações são marcadas por decepções, frustrações imediatas. Temos várias questões: o aborto (de anencéfalos), células-tronco do embrião, união homoafetiva. É preciso ver a importância do trabalho do tribunal ao longo da história e que, em geral, não é essa a solução adequada para resolver esse tipo de tensão, esse tipo de problema”, frisou.
O presidente em exercício do STF, Ricardo Lewandowski, evitou polemizar. Segundo ele, o Congresso se pronunciará “dentro da soberania que a Constituição lhe garante” e, se for o caso, o Supremo analisará a constitucionalidade da decisão. Já o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse que a aprovação da matéria pela CCJ lhe causou “perplexidade”. Em viagem aos Estados Unidos, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, não comentou o assunto.
“Solução respeitosa” No Congresso, o tema também teve grande repercussão. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), afirmou que encomendará um estudo técnico para avaliar a proposta. Ele evitou confrontar o STF. “A Câmara não quer conflitos. Vamos examinar com cautela para que a Casa encontre uma solução respeitosa.” Segundo ele, a tramitação da proposta não vai provocar um desgaste na relação entre os dois Poderes. “Vamos conversar, manter um debate aberto, franco. Essa Casa não quer conflitos, quer dirimi-los”, concluiu.
De acordo com o autor da proposta, o texto foi amplamente debatido entre juristas e parlamentares antes da aprovação na CCJ. Segundo ele, no Brasil virou moda os juízes declararem a inconstitucionalidade de medidas aprovadas no Legislativo. “Isso é um absurdo. Rasga a independência dos Poderes. Até por vaidade, e para aparecer na mídia, os juízes tomam essas atitudes”, afirmou Nazareno Fonteles.
Segundo o deputado, o PT não foi consultado sobre a elaboração e a tramitação da proposta. Ele disse ter conquistado o apoio de parlamentares que se mostravam incrédulos com a PEC. Fonteles alertou que as discussões judiciais dos precatórios e dos royaties foram temas que fizeram os deputados mudarem de ideia.
Durante a votação na CCJ, que contou com um quórum baixo de 20 parlamentares, José Genoino disse ser favorável à PEC. “E é bom a gente votar logo a admissibilidade dela”, afirmou. A reação negativa, por sua vez, também foi imediata. O presidente nacional da Mobilização Democrática, deputado Roberto Freire (SP), anunciou que vai entrar com um mandado de segurança no STF contra a tramitação da proposta. “Essa matéria não pode tramitar porque é atentatória à República, elimina um dos Três Poderes.” O PSDB também anunciou que recorrerá ao Supremo.
O que muda Confira as modificações previstas na PEC 33/2011
* A proposta altera a quantidade mínima de votos no Supremo para a declaração de inconstitucionalidade de leis. O número de votos necessários para derrubar uma lei passaria de seis para nove
* O Congresso Nacional passa a ter a palavra final sobre as decisões nas quais o STF declarar a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição
* As súmulas vinculantes só serão aprovadas com o voto de pelo menos nove dos 11 ministros do Supremo
* A PEC condiciona a validação das súmulas vinculantes editadas pelo STF à aprovação do texto por maioria absoluta de votos (257) na Câmara
* O Poder Legislativo terá prazo de 90 dias para avaliar o efeito da súmula. Caso isso não ocorra, o texto passa a ter validade imediata