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INTEMPÉRIES

RODRIGO MELO

Rodrigo melo é Catitu, pai de Amaralina, filho de Ilhéus, escritor e fera no pingue-pongue.
Rodrigo Melo é Catitu, pai de Amaralina, filho de Ilhéus, escritor e fera no pingue-pongue.

Ed traga o cigarro e olha para Mitsuplic caminhando ao seu lado, para as marcas no rosto magro dele. Nota as olheiras, as rugas, a pele muito seca e os cabelos muito ralos e constata, assim quase ao acaso, que Mitsuplic envelheceu e não é mais o mesmo cara de antes, uma espécie de playboy atlético e galanteador. A alma romântica e um certo distanciamento das coisas práticas, além das noites e dos sonhos perdidos, acabaram com ele. Hoje, somente aquele sorriso amarelo, um sorriso um tanto fora de moda, envergonhado e meio gasto, que carrega por aí. Ed suspira, ele que nunca foi de suspirar. Porque o tempo realmente passa. E Mitsuplic deve ter hoje uns 44, 45, a mesma idade sua: a mesma escola, a mesma turma, as mesmas festinhas embaladas ao som de Blondie e Bowie – cigarros escondidos, sorrisos e pose de Bogart. Pensa, entre a tragada na ponta do cigarro e o peteleco que dá nela, em tanta gente que desapareceu com o passar dos anos, no meio do emaranhado de acontecimentos e possibilidades que fazem a vida, e então sumiu, morreu, ficou louco, foi preso ou se deu bem. Calculou, ele mesmo, que existir era mais fácil e que pra ganhar bastava não desistir. Mas ali do lado vai ele, Mitsuplic, com os dentes fodidos, a gengiva inflamada, os pulmões e os rins em petição de miséria. Completamente acabado, coitado, tão confiante quando moleque. O segredo de tudo, desconfia, está em acordar enquanto é tempo. Entender ou acordar, tanto faz. Mitsuplic não entendeu, Ed também não. Passa as mãos pelos cabelos, mais crespos e mais ralos. Talvez a sua pele esteja mais ressecada também. De frente para a vitrine de uma loja, para e olha para o seu reflexo. O rosto parece o mesmo, mas há algo estranho, fora o lugar. A orelha, quem sabe, ou o nariz? Não descobre e pensar nisso é como flertar com o precipício que ele mesmo criou, ali parado, solto no ar, descobrindo que pode cair. Olha para Mitsuplic outra vez. Talvez devesse abraça-lo, dizer que tudo está bem, que eles são fortes e que o jogo ainda não começou. Mas estaria mentindo e Mitsuplic, por sua vez, não o entenderia – por debaixo da armadura, há mais do que ferrugem, há a anestesia e uma certa embriaguez. Ed então desiste do abraço. Enfia as mãos no bolso da calça, do jeito que Bogart fazia, e segue, pensando que, se bem quisesse, facilmente pararia de fumar.

Texto publicado originalmente no livro “O Sangue que Corre nas Veias”, do autor, lançado em 2012 pela editora Mondrongo.