ILHÉUS 24H :: Porque a notícia não para. Porque a notícia não para

O SARAU, A CERVEJA E UMA ESCADA

RODRIGO MELO

Rodrigo melo é Catitu, pai de Amaralina, escritor e fera no pingue-pongue.
Rodrigo Melo é Catitu, pai de Amaralina, escritor e fera no pingue-pongue.

Ontem rolou uma leitura pública, como dizia o velho Henry.

E eu, que nunca fui de leituras públicas, acabei indo lá.

O lugar era uma cervejaria, e estava cheio. Gente a andar pra lá e pra cá, gente esperta e moderna, dessas que baixa a vista quando me vê passar.

O palco era lá no alto e eu não gostei nada da escada: imaginava-a estreita, porque alguém reclamara antes, mas de madeira, sólida, fixa. Não era nada disso. Era uma escada de metal, flexível, dessas que, imagino, os bombeiros usam em resgate. O caso é que estou longe de ser um bombeiro.

Sempre fui um cara grande e ultimamente estou ainda maior. Um pouquito maior, de modo que quase desisto da tal leitura. Porque é que não me avisaram? Eu certamente teria treinado.

Sentei-me do lado de fora, a conversar um pouco, meio sem assunto – os livros não ajudam em momentos assim. Pensei em pedir uma cerveja para descolar as placas, a cerveja que eu experimentara alguns dias antes quando um amigo fez questão de me servir, mas acabei dando um gole no copo de alguém e desisti. Fica pra depois.

Então, de repente, me levantei e segui em direção à escada, porque uma hora eu teria que encará-la, era essa a verdade, e seria melhor que fosse antes que a cervejaria enchesse ainda mais.

E lá fui eu, num medo danado, degrau por degrau, parecendo uma vara de bambu verde a balançar de um lado para o outro, sem se quebrar. Tudo é quase sempre mais difícil do que a gente imagina, e foi. Eu suava e olhava lá para baixo, com medo, e olhava lá pra cima, a imaginar que faltava um tantão. Mas a sorte estava comigo: a calça não rasgou e, mesmo que rasgasse, ninguém, além de dois garçons, parecia prestar muita atenção. Depois de longo e redentor esforço, eu finalmente consegui: eu estava lá, no alto, feliz, um verdadeiro vencedor. E era mesmo ótimo estar lá em cima.

Eu olhava para a extensão do lugar, acompanhando o trampo do meu amigo dj. As pessoas que chegavam e olhavam para o palco ficavam como cara de bobas e de bestas, surpreendidas mesmo, certamente a pensar: como é que aquele sujeito chegou ali?

A leitura não começou logo, e eu não queria nem podia descer. Então fiquei por ali, segurando o calor e a vontade de mijar. A boca secou e voltei a pensar na cerveja que meu amigo me oferecera dias antes. Acabei pedindo uma, imaginando que os dez reais que eu tinha no bolso iriam embora naqueles goles. Uma cerveja de qualidade, afinal, deve custar mais de cinco pilas, mesmo long neck. E eu dei grandes goles olhando lá pra baixo, cumprimentando pessoas que chegavam, saboreando a breja, a pensar no que aconteceria se eu de repente ficasse gago ou se, por um acaso, aquele palco desabasse no ar…

A leitura então começou. Escolhi um conto curto, para não encher o saco de ninguém. Acho que não fui muito mal. Li com segurança, sem parar, embora longe da entonação habitual. Achava estranha a minha voz no microfone. De todo modo, rolaram uns aplausos quando acabei. A maioria me conhecia, então fiquei sem saber se era só uma questão de estímulo. Tanto faz. A cerveja me deixara menos sentimental. Ou mais, não sei bem. O que lembro é que li mais um ou dois contos e passei a bola para um camarada ler os seus poemas. Meu trabalho estava feito. Agora eu só teria que descer. E não foi fácil. Mas consegui.

Conversei um pouco, misturei-me, apertei algumas mãos. Encenar popularidade nunca fez muito a minha. Há tempos descobrira que eu era um homem de duas horas, duas horas e meia. Depois disso, eu já começava a olhar para os lados, a procurar a melhor saída. Além disso, eu só tinha dez reais. Será que eu, que me apresentara, não tinha direito a algumas garrafas? Caminhei até o balcão e falei com a moça que me entregara a cerveja antes.

Entreguei os dez reais e brinquei:

– Só tenho isso – disse, a imaginar que ela sorriria e, logo depois, me entregaria o troco.

Entretanto, ela não sorriu. Chamou outra moça, depois um rapaz, e foi então que eu descobri que a cerveja custava mais de dez pilas. Na verdade, custava vinte e poucos. Valia claro, ó deliciosa cerveja feita de malte, com leve gosto de café. O que fazer? Falei com um amigo, com outro, mas todo mundo estava um tanto durango também, ou pelo menos foi o que me disseram. Então apontei pro meu camarada dj lá em cima e fiz a mímica. Ele entendeu. Desceu as escadas numa rapidez impossível. E, depois de alguma conversa, meu débito estava pago. Ou só teria que ler mais um texto pra finalizar.

– Ok – respondi, mas desce a porra do microfone dessa vez!