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DEUS FEMININO

Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Uesc.
Julio Cezar de Oliveira Gomes é graduado em História e em Direito pela Uesc.

Há quem acredite que em mesa de bar nada há que possa prestar. Em parte é verdade. Mas em parte é um grande equívoco.

Em animada palestra regada a cerveja para a maioria e a refrigerante e suco para alguns poucos, em Ilhéus, numa mesa situada na Barrakítica (olha o marketing!!! rsrsrsrs), conversávamos – ou discutíamos – entre outras coisas sobre a presença da divindade nas sociedades humanas, quando uma jovem questionou o fato de Deus estar sempre identificado com o gênero masculino, o que reforça a concepção ideológica machista historicamente dominante em quase todas as sociedades e épocas.

A pergunta, feita com a criticidade e audácia típica das jovens que frequentam os movimentos que questionam o “status quo” dominante, tais como são os que lutam pelos direitos das mulheres, além de ser inteligente,possibilita uma reflexão extremamente oportuna.

De fato, por uma questão de lógica, o Deus supremo, em uma concepção monoteísta; e os deuses ligados à criação, do ponto de vista politeísta, deveriam sim ser todos do gênero feminino. Assim, se antecedido de artigo definido deveria ser este do gênero feminino, ou seja: A Deus, e não O Deus. É bem simples entender o porquê disso. Veja:

Se alguém concebe e cria em si mesmo a vida entre os humanos não são os homens, e sim as mulheres. Nelas se dá a fecundação. Dentro delas se desenvolve o óvulo, que se transformará em embrião e em feto, e são elas que darão à luz o novo ser. Pode doer no orgulho masculino, mas falando do ponto de vista estritamente biológico, só somos fundamentais para fornecer os espermatozoides. E só, fisicamente falando.

Se são as mulheres as geradoras, as mães da vida, Deus e os deuses associados à criação deveriam mesmo ser todos do gênero feminino – ou então de gênero nenhum, se entendermos que Deus não tem sexo. É de fato no mínimo impróprio, ilógico mesmo, associá-lo ao masculino.

Deveria, sim, ser A Deus (ou A Deusa) Mãe Toda Poderosa, criadora da vida, do céu e da terra, e de tudo o que nela existe. Mas isso se chocaria frontalmente com o machismo predominante em todas as sociedades, e ainda nos dias de hoje.

Seria simplesmente inaceitável, impossível de ser assim em uma sociedade como a dos Hebreus (ou judeus), há dois mil anos atrás, quando Jesus veio ao mundo, sendo que naquela sociedade as mulheres quase nada valiam, quase nada eram, e simbolizavam a fraqueza, a dependência e a submissão quase total, além de ser-lhes imputadas todas as culpas, inclusive aquelas que cabiam aos homens, como ocorre na narrativa acerca de Adão, Eva e do fruto proibido, em que a culpa recai toda sobre Eva, como se Adão não tivesse a plena liberdade de ter dito: não!

Em sociedades nas quais a mulher adultera era sumariamente assassinada por meio de apedrejamento público; em que os pais davam as filhas em casamento a quem bem entendessem; em que as mulheres eram seres de última categoria porque não tinham a mesma força física do homem para a guerra e para os pesados serviços daquela época; em que o homem tinha a mulher como mais um dos objetos de sua posse, podendo dela se desfazer quando bem lhe aprouvesse, jamais a divindade seria identificada com o gênero feminino, por ser tal fato uma grave ameaça ao poder total exercido pelos homens.

Penso, particularmente, que Deus não tem sexo. Se tivesse, se casaria e – permitam-me a brincadeira, mesmo em um tema tão sério – a vida dele viraria um inferno, sendo, ainda, comandado pela mulher!

Concordo, pois, com a jovem questionadora e audaz: Se tivéssemos de atribuir um gênero à divindade, deveria ser o feminino, e não o masculino.